quinta-feira, 25 de julho de 2013

Um jogo de palavras


UM JOGO DE PALAVRAS

Clóvis Campêlo

Que o futebol veio parar no Brasil, na virada do século XX, trazido da Inglaterra pelos filhos da nossa aristocracia, todos já sabem. Como consequência, durante décadas, as palavras de origem inglesa predominaram na nossa terminologia futebolística até se aportuguesarem ou serem substituídas por palavras da nossa língua.
Desse modo, durante muito tempo, zagueiro foi full-back; chuteira, boots; centroavante, center-four; cabeça de área, center-half; escanteio, corner; empate, draw; finta, dribbling; goleiro, goal-keeper; toque de mão, hands; pontapé inicial, kick-off; bandeirinha,linesman; jogo, match; juiz, referee; impedimento, off-side; jogador, player; cara ou coroa, toss; apito,whistle; etc.
Essa linguagem "antiga" nos veio novamente à tona durante a Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 1994, e durante a Olimpíada de Atlanta, em 1996, ambas na terra de Tio Sam. Utilizada pela televisão americana nas transmissões, constituiu-se novidade para as gerações mais recentes, enquanto que para as gerações mais velhas trouxe recordações dos tempos voluntariosos do nosso futebol.
A influência da televisão na utilização de novos termos no jargão futebolístico, aliás, deu-se a partir da Copa do Mundo de 1970, no México, a primeira a ser televisionada para quase todo o planeta. Quem não se lembra do famoso repeteco que a televisão mexicana exibia no vídeo a cada jogada repetida na telinha? Era o progresso tecnológico operando o milagre da multiplicação das imagens e influenciando diretamente o nosso modo de falar.

ORIGENS E EQUÍVOCOS

De um modo geral, dos neologismos criados e que enriqueceram o linguajar do futebol alguns merecem destaque, como, por exemplo, a palavra gandula. Os modernos dicionários definem o termo como "menino incumbido de ir buscar e devolver a bola que sai de campo". Poucos sabem , porém, que o termo originou-se de um jogador argentino chamado Gandula que atuou no Vasco da Gama, do Rio de Janeiro. Muito gentil, ele apanhava a bola fora do campo para entregar ao companheiro de profissão encarregado de repô-la em jogo, mesmo quando era um adversário.
Dois outros termos interessantes, mas que não vingaram no gosto popular, foram balípodo e ludopédio. Tanto o primeiro, formado com os radicais gregos bales (bola) epodos (pé), quanto o segundo, do latim ludo (jogo) epedes (pé), foram criados pelos puristas de plantão para substituir o anglicismo futebol, sem sucesso. Consta ainda que o escritor Lima Barreto, por não suportar o esporte bretão, criou a palavra bolapé, usada por ele com um sentido pejorativo. Avesso às novidades modernosas, o escritor carioca via no futebol uma transgressão aos costumes da época.
Alguns outros termos criados são interessantes por fazerem referência direta ou indireta a jogadores que marcaram época no futebol brasileiro de outrora, embora muito destes termos já estejam em desuso. É o caso de belinada, rebatida violenta conforme o estilo de Bellini, o nosso capitão na Copa de 1958; charles, jogada inventada pelo hoje conhecido Charles Miller e que é feita com a parte lateral externa do pé; domingada, jogada defensiva falha e que foge ao estilo clássico com que Domingos da Guia domiva a apelota (outros, porém, consideram que o termo originou-se como uma referência pejorativa ao penalte sem bola cometido pelo grande jogador brasileiro na Copa de 1938);elástico, drible rapidíssimo inventado por Roberto Rivelino; jogar o fino, jogar bem e com inteligência, numa referência ao antigo jogador Danilo Alvim, que, por sua magreza, era conhecido como "o fino da bola";folha-seca, chute de muito efeito, com a bola parada, inventado pelo bicampeão Didi, e, garrinchada, usado quando um jogador tentava, sem sucesso, imitar os dribles desconcertantes de Mané Garrincha.

OUTRAS PALAVRAS

Outros termos tornam-se interessantes por fugirem ao sentido original, assumindo outras conotações: amarelar(correr do jogo por medo ou nervosismo); armandinho(jogador sem ímpeto ofensivo); arrepiar (jogada brusca e decidida na defesa); banheira (impedimento); bonde, perna-de-pau e cabeça-de-bagre (jogador de baixo nível técnico); cartola (dirigente de clube ou federação);catimba e cera (atitudes retardam o jogo e irritam o adversário); chapéu, lençol e banho-de-cuia (jogada aérea de efeito); frango ou peru (gol tomado facilmente pelo goleiro); morcego ou chupa-sangue (jogador que não esforça); traíra (jogador que se vende ao adversário); corta-luz, chuveirinho, etc.
Um grande criador de termos e máximas do futebol foi o falecido técnico Gentil Cardoso, que marcou época no futebol brasileiro nas décadas de 50 e 60. É dele, por exemplo, a expressão dar zebra, criada para determinar um resultado inesperado, numa referência ao clandestino jogo-do-bicho, já que a zebra não se encontra entre os vinte e cinco animais que o compõem.
Para finalizar, o termo canarinha, utilizado hoje para designar a seleção brasileira de futebol, devido a cor amarela das camisas, só surgiu a partir da Copa de Mundo de 1954. Antes, a nossa seleção utilizava camisas brancas como primeiro uniforme, abandonadas após a fatídica derrota na Copa de 1950. Para o nosso escrete,amarelar foi uma atitude que deu certo.

Publicado no jornal Folha de Pernambuco, Recife, 28.05.1998, 5ª feira, Caderno Copa 98, pág. 2.

Nenhum comentário: