sábado, 30 de novembro de 2013

A ignorância que astravanca o progresso


A IGNORÂNCIA QUE ASTRAVANCA O PROGRESSO

Clóvis Campêlo

Quando o ex-prefeito do Recife João Paulo de Lima e Silva mandou derrubar algumas árvores da Praça Euclides da Cunha, na Ilha do Retiro, não só a imprensa com também alguns intelectuais recifenses e pernambucanos criticaram a atitude como um crime ecológico e digno de uma mentalidade restritiva e tacanha.
Um famoso poeta pernambucano, o qual, diga-se de passagem, também admiro, chegou mesmo a escrever um artigo inflamado, publicado em um jornal de grande circulação no Estado, protestando contra a ação prepotente que sacrificaria, inclusive, uma mangueira ali existente há décadas.
O que não sabiam, porém, é que o ex-prefeito, ex-metalúrgico e filho de um cobrador de ônibus, eleito surpreendentemente no ano 2000, derrotando o candidato apoiado pela forças políticas então majoritárias no Estado e que predominava nas pesquisas eleitorais, estava apenas retomando o projeto original idealizado pelo paisagista Burle Marx.
Segundo os estudiosos do assunto, o Cactário da Madalena, como também era designada a praça inicialmente, procurava retratar no seu núcleo a imagem da catinga nordestina, com espécies deste bioma, notadamente os cactos. Consta ainda que o arquiteto carioca teria se inspirado nos cenários sugeridos pelo livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, por ele admirado.
Na verdade, dentro do desenho concebido por ele para o logradouro, a vegetação da caatinga ocupava o seu centro e, na parte mais externa, circundando a praça, seriam plantadas espécies nativas da Mata Atlântica.
Ao longo dos anos, porém, por conta da ação da natureza e da mão do próprio homem, a concepção inicial foi se deturpando e transformando-se numa mistura que mais nada tinha a ver com o projeto inicial. A intervenção municipal, portanto, visava apenas devolver à cidade a praça como originalmente fora concebida e construída.
É claro que nos questionamentos expressados e apressados havia uma boa dose de má vontade e de oposição política disfarçada. Feitas as devidas explicação pelo órgão municipal, calaram-se todos ante a evidência de que o prefeito estava mais do que certo.
Isso tudo me veio à mente, quando nas minhas caminhadas vespertinas na recém restaurada Praça do Forte, nos Torrôes, vejo a arborização sendo refeita com árvores decorativas, mas alienígenas. No meu entendimento, a entidade municipal deveria, repetindo a clarividência de Burle Marx, reflorestar as áreas das praças da cidade com espécies vegetais nativas da Mata Atlântica, restaurando esse bioma e trazendo de volta a fauna espantada (principalmente os pássaros) para longe do perímetro urbano.
Sei que o atual prefeito tem o tempo integralmente ocupado pelos afazeres inerentes à sua função, mas a sugestão fica feita para futuros estudos e aplicações.

Recife, 2013

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

As cores do lirismo
















AS CORES DO LIRISMO
Recife, carnaval de 2009
Fotografias de Clóvis Campêlo


terça-feira, 26 de novembro de 2013

As fantasias do Galo
















AS FANTASIAS DO GALO

Clóvis Campêlo

O Galo da Madrugada surgiu como um clube de máscaras, na década de 70.
De lá para cá, muita coisa mudou mas permaneceu a essência da concepção inicial.
E quando o frevo madruga no bairro de São José, o povo do Recife começa a se juntar em frente ao Forte das Cinco Pontas para mostrar a sua alegria e criatividade.
Para mim, é um dos melhores momentos do evento, quando se tem a oportunidade de observar melhor as fantasias.
Depois que a caravana enloquecida descamba pelo bairro, a coisa complica.
Esse ano, no primeiro desfile sem Enéas Freire, um dos seus criadores, o Galo inovou permitindo a apresentação de outros ritmos e colocando um boneco gigante, na praça Sérgio Loreto, para homenageá-lo.


Recife, 2009

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Todos os carnavais


Fotografia de Clóvis Campêlo/1993

TODOS OS CARNAVAIS

Clóvis Campêlo

Atrás de Vassourinhas só não vai quem já morreu. E como eu ainda estou vivo, estarei lá. Já comi o meu pão com brometo logo cedo, para induzir ao barato. O pão que o diabo não amassou. Agora só resta cair em campo e registrar a folia com a máquina e as retinas.
Pra falar a verdade, de folião só tenho o olhar e a vontade. Falta-me o folêgo, o resfolegar, o pique.
Na verdade, gosto de aprisionar o carnaval nas molduras das minhas fotografias, nas metáforas dos meus textos, nas imagens definitivas do passado entendido e dominado.
Mas, o carnaval não é apenas eu. O carnaval é todo um contexto, um pretexto para se quebrar o nexo e liberar os mais sinceros anseios, a mais patética alegria.
Na verdade, o carnaval é muito mais do que o baticum insistente das alfaias, dos tamborins, dos bumbos e taróis. O carnaval é a porta de entrada do éden, a quebra dos protocolos, um ensaio malamanhado da liberdade. O carnaval é tudo isso. Porém, só vim a perceber esse lado das coisas há algum tempo atrás.
Antes, aprisionado por sentimentos de culpa pequenos-burgueses, achava que o carnaval era o ópio do povo. E enquanto o povo ria na rua a sua alegria vadia, eu chorava pensando em como seria bom libertá-lo daquela alienação degradante. Alimentava o choro valendo-me de tudo: ditos bíblicos, dogmas marxistas, histerias freudianas.
No entanto, quiseram os deuses que eu sobrevivesse ao auto-flagelo e encarasse de frente a minha covardia diante da felicidade. Ser feliz só nos custa a tristeza, sussurrou-me um anjo escroto no dia em que me perdi de mim mesmo. E naquele caminho torto, troncho e trôpego, brilhou uma luz no fim do túnel, brilhou a estrela dalva sobre a minha cabeça frágil.
Um outro anjo safado, um chato de um querubim, executou uma música apressada em seu clarinete, uma música repleta de mínimas e semimínimas, e apresentou-se um outro cenário à minha mente conturbada. Enxergar tudo isso custou-me os olhos da cara e a escuridão da alma. Foi caro. Foi claro. Foi límpido.
Assim, livrei-me da canga e das cangalhas, dancei que nem uma guariba, cheguei em maracangalha. E lá, amigo dos rei e dos poetas, ensarilhei as armas e ensaiei o hino dos novos tempos.
Naquela terra mágica, subi e desci ladeiras, acompanhei galos, elefantes e pitombeiras, descansei na praça do jacaré, cercado de anjos cretinos, revolucionários, alegres e libertários.
E quando os meus pés cansados sentiram o calor das areias mornas da praia do carmo, percebi que a transformação se dera de maneira irrevogável, irresistível, irreversível, irretratável.
Despi-me dos pudores remanescentes e mergulhei no mar de tranquilidade que se formou no meu íntimo. 

Recife, 2009

- Publicado no livro Antologia 2010 dos Poetas Independentes. Recife, Edição dos Autores, 2010, páginas 49/50.

sábado, 23 de novembro de 2013

A dor de uma saudade


A DOR DE UMA SAUDADE

Clóvis Campêlo

Talvez a vida não nos seja mais do que uma doce ilusão. Existimos, pensamos e logo tentamos justificar a nossa maneira de viver e de agir. Subjetivamos e desenvolvemos ou nos apossamos de conceitos que servem para nos acalmar os ânimos, nos momentos de maior tensão, ou para servir de item identificatório com quem nos cerca e nos rodeia. Nenhum homem é uma ilha. A solidão é devastadora. Estamos todos no mesmo barco e precisamos alimentar a ideia de que vivemos em uníssono uns com os outros e de que não existiria outro caminho plausível ou justificável dentro da nossa síntese ética (se é que a temos!) ou que aplaque as nossas indagações e ansiedades.
Assim sendo, o futuro sempre nos será uma incógnita e um desafio. Uma página em branco, onde a composição final vai depender da habilidade e da capacidade em nos superarmos e criar novas propostas e situações. Não é a toa, portanto, que tendemos a repetir experiências coletivamente aceitas e bem sucedidas. Se a maioria diz ou fez assim, isso pode nos ser uma garantia de segurança e sucesso. Pra que nos arriscarmos em vão?
O grande problema, porém, surge quando essa sucessão de atitudes supostamente segura e confiável, passa a se mostrar inadequada ou desdobra-se em consequências inesperadas e assustadoras. Quantas crenças e práticas foram abandonadas pela humanidade, ao longo do tempo, por se mostrarem inúteis ou ofensivas quando inicialmente pareciam dignas de confiança? As marcas e cicatrizes que ficam, em consequência disso, são sempre aterrorizantes e definitivas. Diante da tragédia definida, geralmente, só nos resta a resignação, o consolo e um novo aprendizado no sentido de não mais se repetir o equívoco. O homem que pensa e tem a capacidade de imaginar novos mundos e situações, é o mesmo que se deixa enganar por análises equivocadas e traiçoeiras.
Exercitar a individualidade e a autonomia, portanto, não é fácil para ninguém. Não só pelo risco que a novidade sempre traz em seu bojo, como também pelos sistemas regulatórios criados e mantidos, nítidos ou subjacentes, no imaginário e nas crenças da maioria. Toda diferença poderá ser castigada. Ou mantida em quarentena até que se mostre útil e rentável ao sistema dominante e predominante. A ousadia nunca não será feita para a covardia da maioria.
Admito até mesmo que talvez nada valha a pena, mesmo que a alma não seja pequena. Aliás, chega-se a um determinado ponto em que fica difícil até mesmo se fazer novos dimensionamentos ou distinguir o caminho mais novo e adequado.
Talvez a vida não seja mesmo mais do que uma doce ilusão. Existimos e pensamos, mas, mais cedo ou mais tarde, desaguaremos sempre na foz do mesmo rio, no mesmo delta, nas mesmas águas turvas, temerosas e desconhecidas.
Navegar será mesmo preciso?

Recife, 2013

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Crônica de uma loucura anunciada


CRÔNICA DE UMA LOUCURA ANUNCIADA

Clóvis Campêlo

Na verdade, o caso se deu há alguns anos atrás.
Na época, o presidente FHC governava o Brasil pela primeira vez, colocando em prática uma política de privatizar vários setores da nossa economia, entregando-os ao capital internacional a preço de bananas.
Por esse tempo, eu fazia parte da direção do Sindicato dos Previdenciários de Pernambuco, compondo uma diretoria heterogênea e que de desacerto em desacerto quase leva a entidade à bancarrota.
Nem tudo, porém, era desencontro. Compondo a Secretaria de Imprensa, criamos um jornal mensal, chamado SindPress, que visava a diversificação, levando à categoria assuntos culturais vários, além das informações políticas e panfletárias de praxe. Era preciso conscientizar e dar um recheio cultural às massas previdenciárias.
O primeiro número do jornal já estava quase fechado quando nos chegou às mãos uma publicação editada pelo poeta carioca Moacy Cirne, com os textos de Francisco Manoel de Souza Forte, o Chico Doido de Caicó, os quais resolvemos publicar.
Nascido em Caicó, no Rio Grande do Norte, em 1922, Chico Doido faleceu em 1991, na cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Residiu em Natal, nos anos 50, e nos últimos anos de vida frequentou a famosa feira de São Cristovão, no Rio, onde divulgava a sua arte e onde foi descoberto por Cirne, que, inclusive, liderou um movimento irreverente visando lançá-lo postumanente para a Academia Brasileira de Letras.
Pela natureza do seu conteúdo, os textos publicados no jornal do sindicato causaram uma verdadeira revolução no seio da categoria previdenciária e na própria direção sindical.
Pouco adiantaram os nossos argumentos da "legitimidade" dos poemas, já que Carlos Drumond de Andrade, na época recém falecido, e Gregório de Matos, dois grandes poetas brasileiros, já haviam enveredado por aquela seara. Os jornais ainda não distribuídos foram censurados pela direção mdo sindicato e destruídos.
Hoje, faço uma auto-crítica e entendo que naquele veículo de informação não haveria espaço para tal ousadia.
Apesar de tudo, nos textos de Chico Doido alguns aspectos interessantes nos chamam a atenção: a forte referência ao elemento sexual, que se aproxima do pornográfico, inclusive coma criação de neologismos; o uso de uma linguagem coloquial e o olhar de surpresa do poeta diante das novidades do mundo moderno.
Seguem abaixo, dois pequenos poemas, dos mais amenos, para ilustrar o que digo.

Recife, 2006
MARGARETE

Margarete, Margarete
O que foi que aconteceu?
O meu pau é muito grande?
Sua xoxota encolheu?
Eu fiquei cheio de dedos,
Tu ficou com medo de eu?
Se a gente se gosta tanto,
Se a gente diz que se ama,
Por que então não deu certo
O nosso encontro na cama?

TELEVISÃO

A primeira vez que eu vi
Uma televisão, uma televisão,
Foi na Suécia
E naquele tempo não existia
Televisão.
Meu amigo Canuto Cú-de-Cana
Que bebia comigo nas quintas
Nunca acreditou nisso.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Encantamento


ENCANTAMENTO

Clóvis Campêlo

O encantamento é a soma de todas as cores.
Existe uma luz radiante quando se abre a janela e verifica-se que, apesar de tudo, surgiu um novo dia e que nesse novo dia todas as possibilidades são prováveis e possíveis.
Desvenda-se uma nova visão cósmica quando entendemos que todos os equívocos foram necessários e que sem eles não haveria a possibilidade dos acertos.
Entramos em êxtase quando percebemos que o excesso dos nossos sentimentos foram o adubo necessário para que brotassem as flores do bem.
O pão quentinho é apenas a condensação de todas as energias positivas, transformadas em criação.
Somos apenas o instrumento.

Recife, 2009

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O valor de mais uma estrela


O VALOR DE MAIS UMA ESTRELA

Clóvis Campêlo

Quando em 2011, no comando da equipe coral, o treinador Zé Teodoro declarou que já se sentia satisfeito com a ascensão, de certo modo decretou a nossa derrota para o ilustre desconhecido Tupi mineiro.
Naquela época, a diretoria coral, talvez justificando antecipadamente uma possível derrota, também desqualificou a conquista, jogando por terra antecipadamente o que poderia ter sido o nosso primeiro título nacional.
Falo isso não por acaso, pois o nosso próximo e último adversário é nada mais do que o Sampaio Correia Futebol Clube, equipe de grande torcida e que traz no seu currículo nada mais nada menos do que os títulos de campeão da Séries B, C e D do Campeonato Brasileiro. Ou seja: nos põe no bolso em termo de títulos nacionais.
O primeiro desses títulos foi conquistado em 1972, quando a Série B ainda se chamava Segunda Divisão. Disputado por 23 clubes da região Nordeste, foi ganho pelo clube maranhense, que dos dezessete jogos disputados ganhou oito, empatou quatro e perdeu cinco, marcando 19 gols e sofrendo 8. Entre os jogadores campeões, estava Gojoba que jogaria depois no futebol pernambucano defendendo o Sport e a seleção pernambucana, marcando um gol antológico na vitória da seleção pernambucana contra Alemanha em 1969, no Recife.
Em 1997, o Sampaio Correia conseguiu outro grande feito ao vencer de maneira invicta a Série C do Campeonato Brasileiro, com 12 vitória e seis empates em 18 jogos, marcando 31 gols e sofrendo apenas 7. O jogo final contra o Francana, no Castelão, foi assistido por mais de 70 mil pessoas.
Em 2012, ao vencer a Série D do Brasileiro, o Tubarão tornou-se o primeiro clube do Brasil a vencer três divisões distintos do Campeonato Brasileiro de Futebol. Mais uma campanha invicta, com 16 jogos disputados (onze vitórias e cinco empates), marcando 37 gols e sofrendo apenas 8. No jogo final, contra o CRAC, também no Castelão, um público de mais de 40 mil pessoas.
Portanto, não vamos enfrentar uma equipe qualquer. O técnico coral Vica foi corretíssimo na sua postura ao alertar os jogadores do Santa Cruz sobre a importância de vencer a Série C e conquistar mais um título para o clube. Um título da maior importância, não só pela qualificação do adversário como também por ser o primeiro de âmbito nacional a ser ganho pela time coral.
A torcida coral também deseja esse título. Também deseja colocar no peito mais uma estrela, dessa vez uma estrela diferenciada e que brilhará coma intensidade que a conquista merecerá.
Vamos, dentro de campo, lutar com valentia e determinação para superar o Tubarão maranhense e colocar na nossa sala de títulos mais esse troféu.

Recife, 2013

sábado, 16 de novembro de 2013

José Soares, o poeta repórter


JOSÉ SOARES, O POETA REPÓRTER

Clóvis Campêlo

José Francisco Soares nasceu na cidade de Alagoa Grande, na Paraíba, em 5 de janeiro de 1914.
Segundo Marcelo Soares, seu filho, ainda menino, o poeta se encantou com os desafios entre violeiros-repentistas, emboladores de coco e com os folhetos de feira que os poetas declamavam.
Em 1928, aos 14 anos, publicou seu primeiro folheto descrevendo o Brasil através dos seus estados.
Para sobrevivar, fez biscates como agricultor e almocreve e, em 1934, foi para o Rio de Janeiro trabalhar como pedreiro, sem jamais deixar de publicar suas obras.
Voltou ao Recife em 1940, quando montou uma banca de folhetos no oitão do Mercado de São José, onde vendia suas obras e as de outros poetas.
Nos anos 1960, tornou-se proprietário da Gráfica Tricolor, no bairro recifense de Casa Amarela, que manteve por três anos, passando a publicar na Encadernográfica Capibaribe, no bairro do Arruda.
Entre 1979 e 1980 assumiu, por pouco tempo, a direção da Gráfica da Casa das Crianças de Olinda, onde publicou e editou folhetos de sua autoria e de outros poetas. Seus principais folhetos são A renúncia de Jânio Quadros (60 mil exemplares vendidos); O assassinato do presidente Kennedy (45 mil exemplares), A lamentável morte do deputado Alcides Teixeira (55 mil exemplares); A lamentável morte do cantor Evaldo Braga (65 mil folhetos) e A morte do bispo de Garanhuns, Dom Expedito Lopes, que vendeu mais de 100 mil exemplares só em Pernambuco.
Seus temas recorrentes variam entre o gracejo, o futebol, os folhetos de encomenda, além dos folhetos de época e de acontecimentos políticos e circunstanciais, que o levaram a se autodenominar poeta-repórter.
Indagado, certa vez, sobre quantos folhetos havia escrito até então, respondeu, com o sorriso que o caracterizava: “Trezentos e dez títulos”. E completou: “Duzentos e oitenta publicados. Mas espero poder escrever ainda outro tanto”.
Não pôde. A morte antecipou-se a esse feito. Do que escreveu ficou evidente a sua vocação de comunicador popular. Ainda segundo Marcelo, uma das lembranças deixadas pelo poeta popular foi a de, todas as noites, assistir aos noticiários da televisão, tendo sempre lápis e papel pautado à mão para anotar os temas que exploraria depois.
Torcedor convicto do Santa Cruz, foi testemunha ocular da boa fase vivida pelo clube pernambucano nos anos 60 e 70, registrando com versos os feitos do Mais Querido, como na série Pedi um pente e me deram um penta, escrita para comemorar o pentacampeonato pernambucano de futebol conquistado de 1969 a 1973, e no folheto Chegou o Santa Cruz, a máquina de fazer gols, escrito para comemorar a vitoriosa excursão do Santinha ao Oriente Médio e Europa, em 1979, e que abaixo transcrevemos.
José Soares, o poeta repórter, faleceu em Timbaúba, no dia 9 de janeiro de 1981.

CHEGOU O SANTA CRUZ, A MÁQUINA DE FAZER GOLS

O Santa Cruz no Oriente / bancava e pintava o sete / quem joga a bola quadrada / não entra que se derrete / em todo Oriente Médio / o Santa virou vedete.
Joel sacudia a bola / na cabeça de Pedrinho / Pedrinho deitava a pelota / morta nos pés de Betinho / que jogava na esquerda / para o olé de Joãozinho.
Carlos Alberto Barbosa / era o dono da pelota / plantou-se na sua área / não saiu da sua rota / driblava com a direita / chutava com a canhota.
Volnei pintava bolinha / naquela defesa fula / Paranhos roçava estrovenga / do mesmo jeito que Lula / Alfredo Santos também / só batia na micula.
Betinho deitava e rolava / dava olé que nunca vi / a torcida do Oriente / angariou para si / tornou-se a maior vedete / do Mais Querido daqui.
Carlos Roberto deitava / e comandava o olé / vestindo a camisa 10 / só dava bola no pé / muita gente se enganava / pensando que era Pelé.
Jadir com a camisa 7 / pegava a maior pechincha / dava drible e banho de cuia / naquela defesa mincha / muitos gringos perguntavam / se era Mané Garrincha.
Neinha dentro da área / dançava num lá e cá / empolgou de uma maneira / que a torcida de lá / ficou dizendo que ele / é um segundo Vavá.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A proclamação da República


A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Clóvis Campêlo

Os mais críticos e pessimistas dirão que foi mais uma quartelada (ou a primeira) acontecida na história do Brasil. Os mais amenos, dirão que foi um levante político-militar acontecido em 1889. Segundo os historiadores, o evento, presenciado por poucos e nem mesmo notado pela maioria da população, aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, na Praça da Aclamação (atual Praça da República), quando um grupo de militares comandados pelo marechal Deodoro da Fonseca, destituiu o imperador D. Pedro II e assumiu o poder no país.
Na verdade, naquela altura dos acontecimentos, o governo monarquista desagradava a quase todos os grupos que tinham força política e poder de decisão sobre os rumos da nação.
Os conservadores questionavam os atritos do imperador, homem ligado à ciência e aos conceitos científicos, com a Igreja Católica. Os grandes fazendeiros, não perdoavam o Império pela abolição da escravatura, ocorrida um ano antes, sem a indenização dos proprietários dos escravos.
Por outro lado, os progressistas questionavam a demora da monarquia em abolir a escravatura e a ausência de iniciativas desenvolvimentistas, entre as quais o direito à educação para todas as classes sociais. Era alto o índice de analfabetismo no país e a miséria grassava entre os menos afortunados.
Segundo os entendidos no assunto, Dom Pedro II era querido e admirado pelo povo. O mesmo não acontecia, porém, com o restante da corte. Para complicar ainda mais a situação, o imperador não tinha filhos do sexo masculino e, em caso da sua morte, assumiria o trono a Princesa Isabel, casada com o francês Conde D'Eu, homem arrogante e impopular, dono de vários cortiços no Rio de Janeiro, onde explorava a gente pobre com alugueis extorsivos.
Também contribuiu para o desgaste do imperador e do governo monarquista, o crescimento da nossa dívida externa que, em menos de vinte anos, de 1871 a 1889, aumentou em quase sete vezes o seu tamanho, gerando uma inflação anual de 1,75%.
No entanto, segundo vários dos textos por nós consultados, foi a insatisfação da classe militar, que se considerava sem vez e sem voz no país, que levou o acontecimento a cabo. Apesar de ser monarquista e da sua fidelidade ao imperador, o marechal Manuel Deodoro da Fonseca terminou por aceitar os argumentos apresentados por seus companheiros de farda. Comandando algumas centenas de soldados pelas ruas do Rio de Janeiro, montado em um cavalo que lhe fora oferecido no antigo Campo de Santana, proclamou a República em alto e bom tom. Consta que depois do ato histórico, teria apeado do cavalo e voltado tranquilamente para a sua residência.
Consta também que D. Pedro II ao tomar conhecimento da amplitude dos fatos, que até então lhes haviam sido convenientemente ocultados, decidiu não oferecer resistência, capitulando.

Recife, 2013

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Movimento dos barcos, movimento da vida



Fotografias de Clóvis Campêlo/2009

MOVIMENTO DOS BARCOS, MOVIMENTO DA VIDA

Clóvis Campêlo

O tempo flui, mesmo quando tudo parece parado.
E nesse movimento, o passado transforma-se em presente e futuro.
E os mesmos olhos que presenciaram o Ontem, voltam-se para o Hoje e o Amanhã.
A cidade e o mundo se transformam sob as forças do Homem e da Natureza.
O cenário é redesenhado em linhas retas e curvas.
É preciso estar atento e forte para percebermos todas as nuances das mudanças, todos os movimentos das marés, todas as rotas dos barcos.
Viver é preciso.
Navegar é preciso, mesmo que seja para chegarmos a um porto seguro onde o equilíbrio seja muito mais do que uma ilusão.
O barco, meu coração não aguenta tanta tormenta, alegria.
O barco, meu coração não contenta.
O barco, meu coração.
O porto? Não!

Recife, 2009

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Uma excursão vitoriosa e histórica


Em pé: Carlos Alberto Barbosa, Givanildo, Joel Mendes, Pedrinho, Alfredo Santos e Paranhos.
Agachados: Jadir, Betinho, Neinha, Carlos Roberto e Joãozinho. 

UMA EXCURSÃO VITORIOSA E HISTÓRICA

Clóvis Campêlo

Em 1979, sob o comando do técnico Evaristo Macedo, o Santa Cruz realizou uma excursão ao Oriente Médio e à Europa. Em doze jogos, colheu dez vitórias e dois empates. O ataque tricolor marcou 40 tentos, tendo a sua defesa sofrido apenas 10. Os principais artilheiros foram Neinha e Volnei, com 10 gols marcados, cada, e Betinho, com 8 tentos. A excursão foi organizada pelo empresário Elias Zacour e teve como chefe da comitiva José Nivaldo de Castro. O presidente do clube era Rodolfo Aguiar.
A delegação coral, com um grupo de 28 pessoas, saiu do Recife no dia 26 de fevereiro, uma segunda-feira de carnaval, fazendo escala em Paris, após dez horas de voo.

ENFRENTANDO O ORIENTE MÉDIO


No dia 3 de março, a equipe tricolor fez a primeira partida da sua história em canchas internacionais, enfrentando e vencendo a seleção do Kuwait, que tinha em seu comando o técnico Carlos Alberto Parreira, com gols de Neinha (2), Betinho (2) e Givanildo. O Santa Cruz jogou com Joel Mendes; Carlos Alberto Barbosa, Paranhos, Alfredo Santos e Pedrinho; Givanildo, Betinho e Carlos Roberto; Jadir, Neinha (Volnei) e Joãozinho. Após o jogo, Parreira visitou a delegação coral no Miscilah Beach Hotel, fazendo grandes elogios ao futebol do meia Betinho.
Três dias depois, em 6 de março, no mesmo estádio, o Qadisyya Sporting Club, com capacidade para 25 mil pessoas, a equipe coral voltou a enfrentar o Kuwait, empatando em 1x1, com mais um gol de Betinho. O Santa Cruz atuou com Joel Mendes; Carlos Alberto Barbosa, Paranhos, Alfredo Santos e Pedrinho, Givanildo, Betinho e Carlos Roberto; Jadir (Gonçalves), Neinha (Volnei) e Joãozinho (Zé Roberto).
No dia 8 de março, em seu terceiro jogo, sem contar com o lateral Pedrinho, machucado, o Santa Cruz derrotou por 3x0 a seleção da cidade de Bahrein, no Estádio Ysaqial. Nesse jogo, a maior dificuldade enfrentada pelo time coral foram os fortes ventos que assolavam o estádio, dificultando o domínio da bola. Os gols foram marcados por Betinho, Volnei e Neinha e o santinha venceu com Joel Mendes; Carlos Alberto Barbosa, Paranhos, Lula e Alfredo Santos; Givanildo, Deinha e Betinho (Jadir); Gonçalves (Neinha), Volnei e Joãozinho.
No dia 11, o time pernambucano enfrentou o selecionado da cidade de Doha, capital do Katar, vencendo por 4x0, com gols de Betinho (2), Jadir e Neinha. A equipe coral atuou com Joel Mendes (Cláudio); Carlos Alberto Barbosa (Vassil), Paranhos, Lula e Alfredo Santos; Givanildo (Deinha), Carlos Roberto e Betinho (Gonçalves); Jadir, Neinha (Volnei) e Joãozinho (Zé Roberto). No dia 13, contra a seleção do Katar, o santa voltou a vencer. Impôs o placar de 4x1, com gols de Neinha (3) e Volnei. Atuou com a seguinte formação: Joel Mendes; Carlos Alberto Barbosa, Paranhos, Lula e Alfredo Santos; Givanildo, Betinho e Carlos Roberto (Volnei); Jadir, Neinha e Joãozinho.
No dia seguinte, dia 14, com uma equipe mista, contra o selecionado de Sargas, cidade a dez quilômetros de Dubai, o time tricolor voltou a vencer por 2x1, com gols marcados por Volnei. Consta que o jogo foi assistido por um público superior a dez mil pessoas e o santinha jogou com Joel Mendes (Cláudio); Vassil (Carlos Alberto Barbosa), Paranhos, Lula e Alfredo Santos; Givanildo (Carlos Roberto), Betinho (Neinha) e Deinha; Gonçalves, Volnei e Zé Roberto.
No dia 17 de março, na cidade de Abu Dabi, a 170 quilômetros de Dubai, na Arábia Saudita, o mais querido pernambucano enfrentou a seleção da União dos Emirados Árabes. O Santa Cruz venceu o jogol facilmente, com gols de Givanildo, Lula e Joãozinho. Formou com Joel Mendes; Carlos Alberto Barbosa (Vassil), Paranhos, Lula e Alfredo Santos (Deinha); Givanildo, Betinho e Carlos Roberto; Jadir, Neinha e Joãozinho.
No dia 18, mais uma vez sem o tempo necessário para se recuperar, a equipe coral voltou a atuar, dessa feita na cidade de Riad, contra o selecionado de Al Halim, colhendo uma vitória de 3x0, sem a necessidade de utilizar todos os jogadores titulares.
No dia 20, ainda em Riad, mais uma grande atuação na goleada de 6x2 sobre o Nasser, com gols de Joãzinho, Givanildo, Jadir, Neinha, Volnei e Paranhos. Nessa goleada histórica, atuamos com Joel Mendes; Carlos Alberto Barbosa, Paranhos, Lula e Alfredo Santos; Givanildo (Deinha), Betinho e Carlos Roberto (Volnei); Jadir (Gonçalves), Neinha e Joãozinho (Zé Roberto).
No dia 22, a equipe coral entrou em campo, ainda na Arábia Saudita, para enfrentar o El Helal, dirigido pelo treinador Zagalo e contando em seu elenco com o jogador Rivelino, tricampeão mundial.
Para decepção dos pernambucanos, Rivelino não jogou. O Santa, com uma atuação impecável, ganhou pelo placar de 3x0, gols de Carlos Alberto Barbosa, Betinho e Alfredo Santos, todo marcados no primeiro tempo de jogo. Ganhamos com Joel Mendes; Carlos Alberto Barbosa (Vassil), Paranhos, Alfredo Santos e Pedrinho; Givanildo, Carlos Roberto (Volnei) e Betinho; Jadir, Neinha e Joãozinho.
Ao término do jogo, Zagalo elogiou o futebol apresentado pelo lateral Carlos Alberto Barbosa, afirmando tratar-se de um jogador de alto nível, com bom toque de bola, perfeito nos lançamentos, atacando com precisão. Elogiou, também, o ponta esquerda Joãozinho pela habilidade mostrada com a bola nos pés.
Apesar de não jogar, Rivelino chegou cedo ao estádio e esteve nos vestiários do Santa Cruz, abraçando os jogadores.
Antes, pela manhã, foi ao hotel onde o Santinha estava hospedado, conversando muito com o técnico Evaristo Macedo e com os jogadores Pedrinho, seu antigo companheiro no Corinthias, e Givanildo.
Atendendo a um convite de Rivelino, Evaristo Macedo, Pedrinho, Givanildo, Joel Mendes e Zé Roberto, deslocaram-se até a residência do jogador paulista, uma mansão próxima ao centro da cidade, onde almoçaram. Na ocasião, Rivelino e Givanildo relembraram a passagem que tiveram juntos na selação brasileira, sob o comando de Osvaldo Brandão, quando disputaram e venceram a Taça do Bicentenário, nos Estados Unidos.

RUMO À EUROPA


Com um saldo de nove vitórias e um empate, no dia 27 de março, a equipe coral chegava a Bucarest, para enfrentar a seleção da Romênia, destacando-se pela boa campanha no Oriente Médio.
Entre os jogadores, os mais procurados pela imprensa romena eram Givanildo, Neinha, Joãozinho e Betinho, o artilheiro do time na excursão, até aquele momento, com sete tentos marcados.
Antes do jogo, a imprensa romena destacou a campanha do Santa Cruz no Oriente Médio, assim como a grande vitória acontecida contra seleção da Checoslováquia, ainda no Recife, no dia 7 de fevereiro.
No dia 30, o Santa Cruz entrava em campo, sob um frio intenso, para enfrentar e vencer, no Republic Estadium, a seleção romena pelo placar de 4x2, com gols de Joãozinho (2), Neinha e Volnei, em um jogo onde o destaque pernambucano foi o zagueiro Paranhos. Andorren e Bruc, cobrando uma penalidade máxima, marcaram para a Romênia. O santa Cruz conquistou essa vitória histórica atuando com Joel Mendes; Carlos Alberto Barbosa, Paranhos, Alfredo Santos e Pedrinho (Lula); Givanildo, Betinho e Carlos Roberto; Jadir, Neinha (Volnei) e Joãozinho. A Romênia perdeu com Bucanam; Iudorc, Muritan, Borges e Savals; Coran, Bruc e Ildes (Adrian); Han Torres, Ionesc e Andorren.
Partindo de Bucarest, o Santinha chegou a Paris após fazer escala em Zurique, na Suíça. Na chegada ao Aeroporto Charles De Gaulle, Givanildo foi o jogador mais procurado pela imprensa francesa.
No dia 1º de abril, o Santa Cruz entrava em campo, no Estádio Saint Quen, para jogar contra o Paris Saint Germain. Além de um frio muito grande, a equipe pernambucana enfrentou um campo enlameado. O primeiro tempo terminou com o placar em 0x0. Na segunda etapa, a equipe coral chegou a fazer 2x0, com dois gols de Volnei, aos 3 e 22 minutos. A equipe francesa reagiu e chegou ao empate, com tentos marcados por Lavorri e Darre, aos 25 e 28 minutos, ficando em 2x2 o placar final. O jogo foi apitado pelo juiz Jean Clair.
O Santa Cruz atuou com Joel Mendes; Carlos Alberto Barbosa, Paranhos, Alfredo Santos e Pedrinho; Givanildo, Carlos Roberto e Betinho; Jadir (Volnei, e depois Gonçalves), Neinha e Joãozinho. O Paris Saint Germain, com Paredeli; Von, Jan, Renoir e Lavorri; Diank I, Dotenar e Legori; Diank II, Bireaux e Darre.
Após o jogo, a delegação coral deixou a cidade no vôo 0091, da Air France, chegando ao Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, às cinco horas da manhã do dia 2 de abril. Às 8 horas, pelo vôo 504 da Transbrasil, saiu do Rio de Janeiro com destino ao Recife, onde chegou por volta do meio-dia.

FESTA NO RECIFE


Na capital pernambucana, a comitiva tricolor foi surpreendida pela presença de cerca de duas mil pessoas no Aeroporto dos Guararapes.
Entre a multidão, o Jornal do Commercio registrou a presença de Severino José do Nascimento, conhecido como Cão, que, segundo o dirigente Valdomiro Silva, foi o primeiro roupeiro da história do Santa Cruz. Presentes também estiveram Humberto, contínuo do Sindicato dos Arrumadores, conhecido como o Homem da Sombrinha e o Homem do Charuto, por suas perfoarmances nas arquibancadas durante os jogos do Santa Cruz, e Manoel Mota, primo de Capiba, vindo diretamente de Surubim para recpcionar o Mais Querido.
O poeta-repórter José Soares, uma das maiores expressões da literatura de cordel em Pernambuco, na época, também esteve presente, vendendo ao preço de Cr$ 5,00 (cinco cruzeiros) o folheto Chegou o Santa, a máquina de fazer gols.
Para conter a euforia da torcida e garantir a segurança de todos, a Polícia Militar de Pernambuco destacou um efetivo de 155 soldados, dos quais 35 da Rádio Patrulha, comandados por quatro oficiais do 7º Batalhão de cavalaria, além de 36 militares do BPTRAN.
Entre os jogadores, Neinha e Volnei, artilheiros da excursão, eram os mais festejados pela torcida e pela imprensa esportiva local.
Com a invencibilidade obtida e os grandes resultados alcançados no exterior, o Santa Cruz tornou-se o novo Fita Azul do futebol brasileiro, tomando o título da Portuguesa de Desportos que anteriormente, em 1952, conseguira fazer onze jogos seguidos fora do país, sem perder.
Conselheiro do Clube Náutico Capibaribe e desportista reconhecido, o prefeito Gustavo Krause enviou o seguinte telegrama à direção coral: "Congratulo-me diretoria, atletas, técnicos e funcionários do Santa Cruz pelo sucesso alcançado recente em excursão ao Exterior que constitui mais um motivo de orgulho da sua imensa torcida e da satisfação para a cidade do Recife."
Do governador Marco Maciel, que já fora secretário de Conselho Deliberativo e representante do Santa Cruz junto ao Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Pernambucana de Futebol, a equipe coral recebeu a seguinte mensagem: "Minhas efusivas congratulações pela brilhante campanha e invicta jornada em campos europeus e do Oriente Médio à valorosa equipe do Santa Cruz, reafirmando valor e força do futebol nordestino, representando à altura o prestígio do futebol brasileiro".
Embalado pela excursão vitoriosa e pelo calor da sua imensa torcida, o Santa Cruz partiria para a disputa do Campeonato Pernambucano e para a conquista do título de bicampeão estadual.

Recife, 2009

sábado, 9 de novembro de 2013

Um título inequecível


UM TÍTULO INESQUECÍVEL

Clóvis Campêlo

Meus caros amigos, em 1970 o Brasil vivia uma das fases mais ferozes da ditadura militar, quando conquistamos a Copa do Mundo do México. Apesar das contestações dos teóricos esquerdistas, o povo foi às ruas e vibrou, referendando a conquista.
Naquela época, embora já movimentasse milhões e atingisse milhares de pessoas em todo o planeta, haja vista que foi a primeira copa transmitida via satélite para os países periféricos ao Primeiro Mundo, o evento ainda não se inscrevera no rol da indústria do entretenimento. Ganhar era uma circunstância e o importante ainda era competir. Era o chamado fairplay.
Mas, para alguns, o futebol era um dos ópios do povo, e utilizado, aqui no Brasil, pela ditadura militar para encobrir a sua violência repressiva e manter o regime de exceção. Consta, por exemplo, que o presidente Emílio Garrastazzu Médici influiu diretamente na convocação dos jogadores, impondo até a nome de Dario Peito-de-Aço, na época jogando no Atlético Mineiro, entre os jogadores convocados. Consta, também, e essa história seria depois desmentida pelo próprio treinador, de que João Saldanha teria sido afastado da direção técnica da seleção brasileira por conta da sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro.
O certo é que Zagallo assumiria o posto de técnico depois de Saldanha ter comandado o time durante as eliminatórias e ter classificado a nossa seleção com méritos. Com a mudança do treinador, mudaram também os jogadores convocados e o esquema de jogo, ficando para trás o convencional 4-2-4 de Saldanha, com Edu na ponta-esquerda, e entrando em cena o então inovador 4-4-3 de Zagallo, com Rivellino improvisado na esquerda como um falso ponta.
Na verdade, era o time de craques e as improvisações tiveram de acontecer para acomodar tantos bons jogadores em uma mesma equipe. Além de Rivellino na ponta-esquerda, Piaza improvisado como quarto-zagueiro e Tostão no comando do ataque. Os craques, com certeza, supriram as deficiências dos menos dotados tecnicamente, como o goleiro Félix e e zagueiro Brito. Consta até que, na verdade, a seleção era mesmo comandada dentro de campo por Pele é Gérson, embora Zagallo estivesse no banco de reservas ao lado de toda a comissão técnica.
No ataque, Pelé e Jairzinho complementavam a máquina mortífera de fazer gols. Em seis jogos, foram 19 gols marcados, superando a média de 3 gols por partida. Destaque ainda para os laterais Carlos Alberto Torres, Marco Antônio e Everaldo, além de Clodoaldo como cabeça de área.
Entre os reservas, jogadores de alto nível como o goleiro Leão e o meio-campista Paulo César Cajú.
Não é a toa que ainda hoje essa seleção brasileira de futebol seja considerada a melhor de todos os tempos entre os torcedores brasileiros e a crônica especializada.

Recife, 2013

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Alberto da Cunha Melo


ALBERTO DA CUNHA MELO

Clóvis Campêlo

Filho e neto de poetas, José Alberto Tavares da Cunha Melo nasceu na cidade de Jaboatão dos Guararapes, em 1942.
Sociológo,jornalista e poeta integrante da Geração 65 da literatura pernambucana, publicou em 1966 o seu primeiro livro de poemas, Círculo cósmico. Como sociológo, atuou durante onze anos na Fundação Joaquim Nabuco. Como jornalista, foi editor do Commercio Cultural e da revista Pasárgada. Também colaborou com o Jornal da tarde, de São Paulo, onde publicou textos na seção Arte pela arte, e manteve a coluna Marco Zero, na revista Continente Multicultural, do Recife.
Foi vice-presidente da União Brasileira dos Escritores de Pernambuco, na sua primeira gestão, e Diretor de Assuntos Culturais da Fundarpe.
Em vida, publicou 16 livros, sendo 13 de poesias, e participou de 33 antologias poéticas, duas delas internacionais, com destaque para Os cem melhores poetas brasileiros do século, organizada pelo jornalista e escritor José Nêumanne Pinto, e 100 anos de poesia. Um panorama da poesia brasileira no século XX, organizada por Claufe Rodrigues e Alexandre Maia.
Na década de 1990, o livro Yacala é publicado em Portugal, pela Universidade de Évora, com prefácio do crítico literário e professor da Universidade de São Paulo, Alfredo Bosi.
Em 2003, o seu livro Meditação sob os lajedos foi considerado um dos dez melhores livros publicados no Brasil, por um júri composto por 400 especialistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira.
Em 2007, o livro O cão de olhos amarelos foi agraciado com o prêmio Poesia 2007 da Academia Brasileira de Letras.
Em 2007, ainda, poucos meses antes de falecer, participou da Antologia Poética 2007, do grupo virtual Poetas Independentes, com cinco poemas, inclusive um inédito dedicado a Dom Hélder Câmara, Cancioneiro Para o Terceiro Mundo, sendo essa a sua última publicação em vida.
Alberto da Cunha Melo faleceu aos 65 anos, às 19:35 horas do dia 13 de outubro de 2007, no Recife, sendo sepultado no Cemitério Morada da Paz, na cidade do Paulista.
Segundo o Jornal do Commercio, do Recife, o poeta deixou uma vasta e consistente obra, de profunda preocupação com a existência humana.

Recife, 2009

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Ferreirinha



Fotografias de Clóvis Campêlo/2008

FERREIRINHA

Clóvis Campêlo

Seu nome é José Ferreira da Silva e ele nasceu em 1935, no distrito de Oratório, em Surubim, cidade onde também nasceram Capiba e Chacrinha.
Em 1953, o seu pai veio morar no Recife, comprando uma mercearia no bairro da Várzea. Ferreirinha, então com 18 anos de idade, o acompanhou, juntamente com toda a família. Na Várzea, morou durante vinte e cinco anos.
Em 1978 mudou-se para Boa Viagem, onde vive até hoje, abrindo, em sociedade com um irmão, a Churrascaria Juçara, na avenida Domingos Ferreira, próximo ao Edifício Holliday. A churrascaria fechou em 1996 e Ferreirinha tornou-se prestamista, vendendo jóias para sobreviver. Hoje, é aposentado do INSS.
Em 1979, casou-se pela primeira vez. Desse casamento, não teve filhos. Enviuvou. Em 1991, casou-se novamente. Do segundo casamento tem uma filha, Karina, hoje com 14 anos, a grande alegria da sua vida.
Figura folclórica, é conhecido de todos no calçadão de Boa Viagem, onde há mais de 30 anos, caminha diariamente cerca de 10 quilômetros, sempre paramentado.
Começou vestindo-se com as cores da seleção brasileira de futebol. Durante essa época, ganhou o apelido de Brasileirinho.
Sócio do Sport Clube do Recife desde 1955, começou a vestir-se com as cores do rubro-negro da Ilha do Retiro para demonstrar a sua paixão clubística. Em maio deste ano, em comemoração aos 103 anos do clube, criou uma fantasia com as imagens de 103 leões, sendo notícia em vários jornais e televisões do Estado.
Como todo bom pernambucano, é devoto de Nossa Senhora da Conceição. Todo ano, dia 8 de dezembro, está no Morro da Conceição, pagando as suas promessas e reverenciando a santa. Esse ano, pagou promessa pela eleição de Marília Arraes, neta de Miguel Arraes de Alencar e eleita vereadora do Recife pelo Partido Socialista Brasileiro e por quem fez campanha.
Carnavalesco convicto, Ferreirinha todo ano pode ser encontrado no desfile do Clube dos Rapazes Irreverentes, o CRI, em Boa Viagem, e no desfile do Galo da Madrugada. Também brinca no Recife Antigo e, na quarta-feira de cinzas, ainda encontra energia para acompanhar o Bacalhau do Batata, em Olinda.
A explicação para tanta vitalidade talvez esteja no seu passado de maratonista. Participou por diversas vezes da Corrida de São Silvestre e da Meia Maratona do Rio de Janeiro. No seu acervo de corredor, tem 33 medalhas e onze troféus. Hoje, aos 73 anos, satisfaz-se apenas com as caminhadas diárias na orla de Boa Viagem onde é conhecido e admirado por todos.
Esse é o perfil de Ferreirinha, mais uma figura marcante do Recife.

Recife, 2008

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A voz do mangue


A VOZ DO MANGUE

Clóvis Campêlo

Para Chico Science

A voz do mangue vem da periferia do Recife, escoando pela planície aluvional até alcançar as antenas da Embratel e expandir-se: Pernambuco novamente falando para o mundo? 
A voz do mangue retoma a linha evolutiva da música popular pernambucana, reativando os crus acordes eletrônicos dos Silver Jets, Bambinos e Aratanha Azul para uni-los ao baque virado do pessoal de Dona Santa: maracatu atômico?
A voz do mangue traça a crônica da cidade prostituída com seus signos modernos que antecipam o amanhã (automóveis, motos, metrôs) e suas cicatrizes profundas que nos remetem ao passado ( mendigos, miséria e camelôs): que país é esse?
A voz do mangue nega, com o seu baticum, a apropriação indébita da estilização burguesa ao mesmo tempo em que pinta o trágico com as cores quentes do mercado: o produssumo queima a bagagem?
A voz do mangue reflete uma realidade poética e musical que é posterior à prosperidade açucareira dos casarões e sobrados, alimentando a literatura dos enjeitados: música de protesto?
A voz do mangue cresce com a força de pedreiros suicidas, oferece saídas e prega sem a convicção dos ignorantes: pedra evoluída? 


Recife, 1994

sábado, 2 de novembro de 2013

A morte de todos nós


A MORTE DE TODOS NÓS

Clóvis Campêlo

Todos nós morreremos um dia, isso é fato incontestável. A grande maioria de nós humanos, porém, viverá e morrerá no mais completo anonimato, com direito a choros e velas apenas dos amigos e parentes mais próximos. Ocupará uma vala comum ou uma sepultura modesta, de conformidade com a capacidade financeira da família, em algum cemitério da cidade e receberá uma placa simples, impressa sem alto relevo, enaltecendo algumas das suas virtudes e relatando as saudade dos amigos e parentes que ficaram. Nenhuma comoção a mais, com certeza, essas mortes provocarão. Aos poucos, esse sentimento de perda cairá naquilo que os poetas chamam de “saudade pacata”. Afinal, a vida continua e todos os que ficaram devem cuidar de fazê-la ao menos bem vivida e satisfatória.
Os famosos e as celebridades, porém, tem a morte anunciada em alto e bom tom, estampadas nas primeiras páginas dos jornais e nas capas das revistas em letras garrafais e citações bombásticas sobre o seu modo de ser (ou de ter sido).
Quem não se comoveu, por exemplo, com a morte de Tancredo Neves, o paizinho (como nos falou em cadeia nacional a atriz global Cristiane Torlone, na época) que iria nos libertar definitivamente das garras repressivas da ditadura militar? Quis a ironia e a história, porém, que o eminente político mineiro, eleito indiretamente pelo colégio eleitoral do Congresso Nacional, morresse antes da posse. Esse fato, permitiu a José Sarney, que entrara na composição da chapa para garantir a adesão e o apoio de alguns setores mais conservadores da direita política brasileira, o direito de ser o primeiro presidente da Nova República, terminologia adotada para exprimir os novos tempos que haveriam de vir com o passamento do regime militar.
Quem não se espantou, por exemplo, com a morte prematura e precoce de John Lennon, em dezembro de 1980, no Dia de Nossa Senhora da Conceição, assassinado por um admirador enlouquecido que, na loucura do seu delírio, pretendia tomar-lhe o lugar. Não seria a primeira e nem a última vez, na história do mundo, que um louco a solta provocaria a comoção mundial, devidamente transformada em lucro pela mídia especializada em explorar a emoção alheia e sedenta pelos cifrões dos lucros inescrupulosos? Eu mesmo confesso que vivi e sofri aquele drama.
Enfim, poderia citar várias outros exemplos de mortes anônimas ou exploradas pelo sensacionalismo midiático (lembrei também do enterro do papa João Paulo II, uma grande produção colorida).
Por isso tudo e muito mais, agora que experimento a maturidade possível da terceira idade (eufemismo idiota sobre a velhice) não me sensibilizei muito nesse domingo ensolarado recifense quando li sobre a morte do compositor americano Lou Reed.
Continuei ao lado do amigo Renato Boca-de-Caçapa, o filósofo do povo, e de dona Cida Machado, a fotógrafa foliã, degustando um delicioso cação ao molho de coco e creme de leite, regado por uma cerveja geladíssima e compatível com o calor intenso que fazia na praia do Pina, naquele dia.
Descanse em paz, camarada Lou. De ti, guardarei apenas a voz revolucionária e inútil que um dia imaginou poder mudar o mundo.

Recife, 2013