sábado, 15 de fevereiro de 2014

Sambas e futebol


SAMBAS E FUTEBOL

Clóvis Campêlo

Segundo os estudiosos do assunto, foi no século passado que a música popular brasileira desabrochou de vez. De evolução em evolução, nos anos 50 criou consistência suficiente para se consolidar e desaguar em um movimento como a bossa nova. Embora contestada por alguns, que a acusam de americanizar definitivamente a MPB, a bossa nova mudou para sempre os rumos da nossa música popular, dando-lhe vigor suficiente para projetar-se pelo mundo a fora e o conquistar.
Esse meio tempo vivido pela música brasileira entre a incipiência e a maturidade, serviu para o aparecimento de compositores identificados com os novos assuntos e costumes da nossa sociedade. O futebol, com certeza, foi, e continua sendo até hoje, um deles. E o Clube de Regatas Flamengo, na condição de um dos maiores times de massa do Brasil, teria uma posição de destaque no imaginário e na capacidade criativa desses compositores.
Um desses compositores chamava-se Wilson Batista. Carioca, nascido na cidade de Campos, no dia 3 de julho de 1913, foi autor de mais de 700 músicas, muitas das quais falando do seu amor e da relação com o clube rubro-negro carioca. Como tema para os seus sambas rubro-negros, Wilson não deixava escapar até mesmo os momentos de derrota e decepção.
Na música “E o juiz apitou”, por exemplo, uma parceria feita entre ele e Antônio Almeida, narrando uma derrota do Flamengo para o Botafogo. O próprio Antônio Almeida, em depoimento publicado na revista nº 36 da coleção MPB Compositores, assim declara: “Wilson era flamenguista doente. Fomos ver um Flamengo x Botafogo, em General Severiano. O Mengo perdeu o jogo e ele saiu angustiado do estádio. Pegamos o bonde para voltar pro Café Nice e Wilson criou um caso com o motoneiro, dizendo que não pagaria a passagem, tão aborrecido que se encontrava com a derrota do seu 'mais querido'. Eu pedi calma e el reagiu assim: 'Eu tiro o domingo pra descansar e vou ao futebol me aporrinhar'. Fizemos ali mesmo, de parceria o samba. Wilson era assim'.
Um outro parceiro e grande amigo de Wilson Batista, o compositor Jorge de Castro, nessa mesma revista, afirmaria que Wilson nunca foi muito de compor. O seu negócio era o tema. “Eu imaginava uma história e contava pra ele, que fazia a música e a letra”. Foi assim, que juntos lançaram mais de 100 músicas, entre as quais o “Samba rubro-negro”, cuja letra segue abaixo:
“Flamengo joga amanhã / eu vou pra lá / vai haver mais um baile no Maracanã / O mais querido / tem Rubens, Dequinha e Pavão / eu já rezei pra São Jorge / pro Mengo ser campeão. / Pode chover, pode o sol me queimar / que eu vou pra ver / a charanga do Jaime tocar: / Flamengo, Flamengo, tua glória é lutar / Quando o Mengo perde / eu não quero almoçar / eu não quero jantar”.
Só para terminar, o médio Dequinha, citado na letra e que marcou época no clube carioca ao lado de Rubens e Pavão, era potiguar e se destacou nos anos 50, jogando pelo América pernambucano antes de ser contratado pelo Flamengo.

Recife, 2014

Um comentário:

Paulo Lisker disse...

Muito obrigado amigo Clóvis.
Saudades positivas dum passado que dá gosto lembrar.
Um grande abraço.