quinta-feira, 24 de abril de 2014

O peru de Obama e as viúvas do Ipase


O PERU DE OBAMA E AS VIÙVAS DO IPASE

Clóvis Campêlo

Todos se lembram: o primeiro presidente norte americano negro perdoôu o peru branco. O nome do bicho: Courage. Veio da Carolina do Norte, onde nasceu, numa fazenda especialista em criar perus, para enriquecer o jantar do Dia de Ação de Graças do presidente.
O peru anistiado, porém, não viverá o resto dos seus dias na Casa Branca. Foi encaminhado para a Disneylândia, onde, com certeza, será transformado em mais uma atração turística.
Consta que essa história de presentear o presidente com um peru vem desde o presidente Eisenhower, em 1953. Transformou-se numa tradição. Diz ainda a lenda que o primeiro presidente a poupar o peru presenteado foi John Kennedy, nos início dos anos 60, quando o sonho dourado americano ainda não se desvanecera.
Enfim, histórias da Carochinha do Norte que nós, brasileiros e americanos do Sul, desde a mais tenra idade, escutamos.
Mas, o que teria o peru americano de Obama a ver com as saudosas viúvas do IPASE?
Lembro que nos anos 60, quando eu ainda era um menino e jogava bola nas areias da praia do Pina, era costume do meu pai, em dezembro, levar para casa os perus que comprava ou mesmo recebia de presente das viuvinhas que atendia no extinto IPASE. Aqueles pobres e comprometedores perus, já que dona Tereza, minha mãe, sempre via naquela benevolência uma possibilidade de traquinagem extra conjugal, nunca foram perdoados. Todos os dias, depois do almoço, eu e meu irmão, sentávamos no batente do terraço que havia na cozinha para cevar os perus. Tudo o que sobrava das refeições do dia e da véspera era “enriquecido” com água e farinha de mandioca e literalmente enfiado garganta a dentro dos animais, sem chance nenhuma de defesa ou contestação. Aos perus violentados, só restava a obrigação de digerir e engordar.
Como naquela época ainda não havia os aleijões transgênicos e congelados dos chesters, quando o Natal chegava os perus, com seus fígados engordados pela alimentação forçada, eram sacrificados e colocados na mesa para o deleite da família e dos vizinhos que sempre participavam, intercambiando quitutes e votos de felicidades.
Lembro disso sem nenhum sentimento de culpa. Achava e ainda acho legítimo todo aquele ritual que unia a família, terminava por dissipar as desconfianças maternas e garantia uma ceia de Natal decente e condigna.
Eramos felizes e não sabíamos que o futuro nos traria costumes diferentes e saudades de coisas simples que pareciam ser eternas.
Hoje já não existem quintais, perus a serem engordados ou mesmo vizinhos amigos e participativos, ávidos para demonstrarem a afeição e o o respeito que alimentavam aquela relação de amizade e boa convivência.
Com toda sinceridade, sinto falta disso.


Recife, dez/2009

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