sexta-feira, 17 de março de 2017

Para onde iria Bandeira?



PARA ONDE IRIA BANDEIRA?

Clóvis Campêlo

Para onde iria o poeta Bandeira todo vestido de branco e arrastando consigo aquela mala preta? Não aparenta grande esforço, apesar do ar cansado. À sua frente, segue a amiga Maria de Lourdes Heitor de Souza. Sugestivamente, quatro rapazes que compõem involuntariamente a imagem caminham em sentido contrário. Iria o poeta para Pasárgada, onde sempre foi amigo do rei? Estaria fugindo do beco em busca de ares menos rarefeitos?Para o poeta Drummond, que lhe dedicou alguns poemas, Bandeira não foi para Pasárgada porque não era esse o seu destino. Com certeza, não se habituaria lá. Para ele, Bandeira era homem de viver em seu território próprio e intransferível, homem dolorido e experiente que subjugara o seu desespero a poder de renúncia, vigília e ritmo.
Na fotografia acima, Bandeira parece carregar na mala o leve e inseparável peso da vida. Parece ter plena consciência de que já não haveria mais tempo para largá-la e recomeçar. Olha para a frente com a certeza de que já conhece o caminho a seguir. Não lhe interessa nem mesmo a bifurcação da calçada por onde transita. Não lhe parece haver outro rumo ou a possibilidade de retorno. Apenas caminha e vai.
Em outro poema chamado de Itinerário, o poeta Drummond traça o caminho inicial do poeta Bandeira, que se inicia na Rua da Ventura e chega à Rua da Saudade, passando pela ruas da Soledade, da Aurora e do Sol, e formando um halo em torno da Rua da União. Na visão de Drummond, o poeta Bandeira, verdadeiro itinerante, atravessava o Recife com a naturalidade de quem sabe que ali apenas começava o grande caminho.
Em mais outro poema, agora chamado de Rotinas, o vate mineiro, com conhecimento de causa, diz que o poeta Bandeira, cumprindo sem revolta e sem amargura o estatuto civil da pobreza, enfrenta uma crepuscular fila de ônibus em Copacabana, tendo na mão esquerda um livro e a tradução da tragédia alemã. Em outro território, o mesmo exercício da simplicidade e do despojamento. Um homem simples, embora sensível e poeta.
Bandeira sempre foi um homem de ir. Em Clavadel ou em Quixeramobim. Mesmo sabendo que o futuro poderia ser uma terra incerta e pedregosa. Do Recife ao Rio de Janeiro, a mesma certeza de que haveria a hora da chegada, assim como houve a hora da partida. Ao poeta modernista, não cabem revoltas. Apenas conhecimento e resignação.
Ao deixar o beco, simbolicamente Bandeira pouca coisa levava, como da vida pouca coisa se leva. Talvez imaginasse o grande encontro com o ineludível, com a passagem, com a transmutação final. Ao deixar o beco, embarcaria em um grande automóvel preto onde poderia ser vista no seu rosto uma tranquilidade consciente e inalienável. Ao deixar o beco, Bandeira tornava-se imortal e imorrível, uma referência segura e incomparavelmente bela.

Recife, março 2016

Fonte: Bandeira a Vida Inteira. Edições Alumbramento/Livroarte Editora, Rio de Janeiro, 1986.

3 comentários:

Passiflora disse...

Sempre gostei de seus comentarios.
Este entao esta otimo.
Agradeço
Paulo (de Israel)

Luiz Eurico disse...

Maravilhoso texto! Abraço fraterno.

Aristóteles Pinheiro disse...

Ele não estava indo pra Pasárgada e sim voltando.
O rei foi deposto.