sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O Galo


O GALO

Clóvis Campêlo

Lá vem o Galo! De novo? Afinal, estamos em um novo sábado de Zé Pereira. E sábado de Zé Pereira, no Recife, é sinônimo do Galo da Madrugada.
Durante anos, sai de casa cedinho para fotografar as fantasias do Galo no Forte das Cinco Pontas. Era a hora mais tranquila para isso. Porque depois, quando o bloco descambava pelas ruas do bairro de São José, no centro de Recife, não tinha mais quem juntasse os cacos. Na Rua da Concórdia, então, ninguém se entendia, muito embora todos escapassem no final. O Galo obedecia ao princípio da democracia, permitindo a todos o prazer da folia. Nada de camarotes globais e refrigerados. Sempre gostei de ir para as ruas, misturado com a alegria e as fantasias do povo. No carnaval do Galo e do Recife, nenhuma imaginação deveria ser castigada.
Mas também tinha gente que não gostava do Galo, ou do seu gigantismo midiático. Mestre Liêdo Maranhão mesmo era um deles. Alegava que aquilo não fazia sentido e acabava com a tradição do carnaval de rua do Recife. Dizia que o Galo era a Itaipu do carnaval recifenses, numa referência à imensa imensidão daquela obra. Afinal, cadê as orquestras de frevo tocando no chão e arrastando muita gente? Para dar conta da sua dimensão, o Galo reinventou os trios elétricos. Se tudo começou na Bahia, não importava. Bastava que tocassem a autêntica música pernambucana, o frevo. No início foi assim. Depois, começaram a introduzir outros ritmos. Diversidade ou oportunismo?
Liêdo Maranhão, na sua turrice, não deixava de ter razão, já que o Galo, segundo Enéas Freire, o seu próprio criador, surgiu para reviver os antigos carnavais de rua, em contraste com o predomínio, na época, dos bailes carnavalescos dos clubes sociais.
Assim, com essa intenção, o primeiro desfile do Galo aconteceu no dia 23 de janeiro de 1978, saindo o clube da sua sede, na Rua Padre Floriano, acompanhando por 75 foliões fantasiados de alma. Essa informação está no site da Fundaj, em texto de Virgínia Barbosa. Mais o Galo cresceu, cresceu e cresceu.
Em 1995, foi considerado oficialmente pelo Guiness Book, como o maior bloco de carnaval do mundo, Em função disso, o Galo alimenta até hoje estatísticas nem sempre confiáveis. Dizem até que em determinado ano já chegou a colocar nas ruas mais de 2,5 milhões de foliões. Talvez tenham razão. Talvez seja mais uma lenda a ser alimentada sobre o Galo. Ou bichinho danado, esse Galo! Criou asas e nunca mais se aquietou no terreiro!
No mesmo texto da Fundaj citado, encontramos a informação de que o estandarte do Galo foi criado por Mauro Freire, filho do fundador e presidente perpétuo do Bloco. É composto por um galo colorido num poleiro, tendo um sol dourado atrás, três máscaras, confetes, serpentinas e notas musicais do nosso ritmo, o Frevo. Por seu lado, o hino do bloco foi criado pelo compositor José Mário Chaves. A partir de 20 de fevereiro de 2009, o Clube de Máscaras O Galo da Madrugada passou a ser considerado, além do maior bloco carnavalesco do mundo, Patrimônio Imaterial de Pernambuco.
Como todo bom pernambucano, eu espero um ano pra cair na brincadeira. O Galo é coisa nossa. Indispensável. Vamos nessa!

Recife, fevereiro 2017

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Sobre prédios, pomares e modernidade


Rubem Braga no seu "jardim aéreo", em Ipanema

SOBRE PRÉDIOS, POMARES E MODERNIDADE

Clóvis Campêlo

Passa o tempo e os hábitos e costumes sociais vão mudando. O que antes era proibido e condenado socialmente passa a ser aceito. Do mesmo modo, o anteriormente permissível passa a ser visto como retrógrado e superado. E assim caminha a humanidade.
Na maioria das vezes, isso tudo é movido por interesses pecuniários e comerciais. Nem sempre as mudanças significam evolução nos hábitos e melhorias nas condições de vida dos cidadãos. E isso, às vezes, é complicado.
Há 50 anos atrás, eu estudava no Ginásio Pernambucano e tinhas como professor de música um senhor chamado Miguel Barkokebras. As suas aulas eram sempre interessantíssimas e repletas de discussões amplas, gerais e irrestritas. Não apenas estudávamos a sua matéria, como discutíamos sobre tudo e sobre todos. Já naquela época, o professor Barkokebras dizia que a saída para as cidades modernas seria a verticalização. Que num futuro bem próxima, as pessoas se amontoariam em prédios altos para resolver a questão habitacional. E ele estava certo. Esse tempo já chegou.
Para quem, como eu, teve uma infância repleta de quintais e espaços livres para brincar, isso pode parecer terrível. Meus filhos ainda alcançaram uma fase de transição, entre as casas e os apartamentos. Meus netos, porém, já nasceram e estão crescendo em apartamentos. Isso modifica todo um modo de vida. Até mesmo as brincadeiras infantis se modificam e precisar ser adaptadas aos novos tempos e espaços. Deixam-se de lado as atividades físicas e predominam os jogos e brincadeiras em computadores. Mudam as crianças e mudam os seus relacionamentos e as suas visões do mundo. E isso parece ser irreversível.
Se no Recife esse processo de mudanças foi mais lento, em cidades brasileiras mais evoluídas, como o Rio de Janeiro, ele aconteceu bem mais antes. Nos anos 70, a verticalização já atingia de forma contundente bairros nobres cariocas, como Ipanema. Lembro que, naquela época, o Pasquim já fazia uma campanha cerrada contra essa verticalização desenfreada e contra a especulação imobiliária que tomava conta de bairros diversos do Rio de Janeiro.
O escritor Rubem Braga, considerado por muitos como um dos maiores cronistas brasileiros de todos os tempos desde Machado de Assis, por exemplo, conciliou tudo isso morando na cobertura de um pequeno prédio, em Ipanema, onde cultivava jardins e várias árvores frutíferas. Rubem Braga, aliás, nasceu no Espírito Santo, na cidade de Cachoeiro do Itapemirim, onde também nasceu Roberto Carlos. Antes de se fixar no Rio de Janeiro, segundo a Wikipédia, também morou no Recife, onde dirigiu a página de crônicas policiais do Diario de Pernambuco, e onde fundou o jornal Folha do Povo. Posteriormente, efetivou residência no Rio de Janeiro, onde viveu até a sua morte, em 19 de dezembro de 1990. Ainda segundo a Wikipédia, foi inaugurada no dia 30 de junho de 2010 a terceira saída da estação General Osório do Metrô em Ipanema, que conta com duas torres com dois elevadores ligando a Rua Barão da Torre ao Morro do Cantagalo, que recebeu o nome de Complexo Rubem Braga, em homenagem ao escritor que por anos morou na cobertura do prédio vizinho à estação.
Voltando ao Recife e às moradias modernas, porém, as mudanças provocadas pelas construções verticais desenfreadas influem não só no nosso modus vivendi, mas também em problemas estruturais de ordem prática. Com o aumento da densidade demográfica que isso provoca, surge a necessidade de um maior consumo de água, de uma maior geração de dejetos e esgotos, de um estrangulamento nos sistemas viários e de transportes coletivos. Ou seja, a cidade cresce e a sua complexidade aumenta.

Recife, fevereiro 2017

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Sobre quintais, passarinhos e cachorros


SOBRE QUINTAIS, PASSARINHOS E CACHORROS

Clóvis Campêlo

No Pina, tive uma infância que hoje não existe mais. A casa dos meus pais tinha um quintal onde proliferavam as árvores frutíferas. E com elas, vinha a passarinhada. Ao mesmo tempo, o nosso quintal confrontava-se com o terreno da Escola Estadual Landelino Rocha onde abundavam os pés de oiti da praia e oiti coró. Neles, em época de reprodução, várias espécies faziam seus ninhos.
Os papacapins, aves que na época não tinham muito valor, naquelas condições propícias, reproduziam-se pra valer. Tornavam-se mesmo uma praga, famintos, invadindo os nossos alçapões e comendo as iscas que utilizávamos para passarinhar. Meu pai gostava de criar passarinhos e tinha época que havia mais de 30 gaiolas para serem diariamente cuidadas. Como o velho acordava cedo e cedo saía para o trabalho na repartição pública onde dava expediente, a responsabilidade com as aves sobrava para mim e para o meu irmão Carlinhos. Revezavamo-nos diariamente nessa labuta que, apesar de tudo, era-nos bastante agradável. Naquele tempo, criar passarinhos em cativeiro era socialmente aceitável e não se configurava no “crime ecológico” de hoje.
Como no nosso quintal havia uma profusão de árvores frutíferas, também era grande a quantidade dos passarinhos comedores de futas, os chamados “passarinhos de molhado”. Desses, meu pai não gostava muito por sujarem em demasia as paredes de casa. Mesmo assim, eram comuns os sabiás, guriatãs, sanhassus, xexéus, concrizes, arapongas, com suas plumagens coloridas e seu cantos diferenciados. Entre os comedores de alpistes e painço, proliferavam os canários da terra, os curiós, patativas e caboclinhos, galos de campina, os já citados papa-capins, azulões, cravinas e bigodes.
Lembro com saudade desse tempo pela liberdade e pelo espaço que nós, enquanto crianças, tínhamos para brincar. Além de tudo, havia mais respeito e consideração entre os vizinhos e amigos. Vivíamos em uma comunidade que se tratava e agia como tal. A insegurança pública e os amigos do alheio ainda não nos assustavam tanto.
Um dia, acordo cedo e vejo o meu pai observando algo junto ao portão. Aproximei-me para ver o que era e ele me avisou: “Não chegue muito perto pois ela pode lhe morder”. Era uma cadela toda branca (logo tornou-se a famosa Branquinha) que havia parido um único cachorrinho malhado em preto e branco. Esse filhote cresceu, tornou-se um belíssimo vira-lata e ganhou o nome de Rex, por conta do seu porte imponente. Viveram conosco até o dia em que a família de desfez, com a separação dos meus pais. Hoje, não consigo mais lembrar que destino tiveram quando saímos daquela casa e, acompanhando minha mãe, fomos morar em um apartamento em Boa Viagem.
A partir daí, nosso estilo de vida mudou. Morar em apartamento exige novas atitudes e, assim, demos adeus aos quintais e passarinhos do Pina. Cachorros, ainda houve uma outra fêmea da raça pequinês, chamada Lili, que nos acompanhou durante alguns anos. Lili era mansa e dócil e terminou por ser levada por alguém com quem simpatizou. Deixamos o portão aberto e foi por ali que ela saiu para nunca mais voltar. Talvez tenha sofrido um pouco, pois cachorros são fiéis e não trocam de dono com tanta facilidade. Talvez tenha tido a sorte de encontrar alguém generoso e que a tratou com o carinho e o respeito que merecia.

Recife, fevereiro 2017

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Ainda sobre Felinho


AINDA SOBRE FELINHO

Clóvis Campêlo

Amigos, coisa boa é escrever e receber o chamado feed-back, a resposta de quem nos leu e teceu comentários e observações sobre o nosso texto.
Foi o que aconteceu com o artigo sobre Felinho e a sua maravilhosa performance na gravação do frevo Vassourinhas, em 1956, com a orquestra do maestro Nelson Ferreira.
Do amigo e escritor Urariano Mota, recebo o comentário abaixo, com informações valiosas que transcrevo na íntegra:

"Muito boa pesquisa, Clóvis Campêlo . Parabéns. Eu chamo a atenção para a genialidade do grande maestro e compositor Nelson Ferreira. Foi ele quem incentivou o gênio de Felinho para que brilhasse no frevo Vassourinhas. Em um maestro convencional, autoritário, Felinho não teria autorização para os seus imortais improvisos. Palavras do violonista Henrique Annes numa entrevista: "Felinho era um homem baixinho, um figura muito assim carismática, não é?, uma pessoa assim de méritos, foi quem criou as variações de Vassourinhas, não é? Eu conheci Nelson Ferreira, eu era menino, e Nelson Ferreira contava que foi uma vez no Clube Internacional, ele tocando Vassourinhas, tararará... aí disse que Felinho tomou uns porres, e subiu em cima da cadeira, e começou a fazer as variações: tiririri-ri-ril-ril. Ah (ri), foi aí que nasceram as variações do Vassourinhas.
- Aí Nelson Ferreira tinha sensibilidade e fez: “Que coisa boa. Repete isso”.
- Coisa boa, não é? Aí terminaram gravando. Tem uma gravação até na Rádio Clube. A gravação original é da Rádio Clube. "

De outro amigo, o radialista e musicólogo Gilvando Paiva, recebo mais um comentário, também transcrito na íntegra, com observações bem colocadas sobre as oscilações do meu texto apressado:

"Sou fã do inesquecível Felinho. Tenho em minha discoteca essas duas obras-primas: sua participação destacada na gravação de Vassourinhas e o frevo Formigão, de sua autoria. Perdoe-me, amigo Clóvis, mas no artigo há momentos em que você confunde saxofone com clarinete. Somente uma vez você diz que as variações de Vassourinhas foram feitas com saxofone. Nas demais referências, você afirma que Felinho as fez com clarinete. A bem da verdade, ouvindo-se a gravação a gente constata que elas foram feitas com saxofone. Essa observação vai a título de colaboração.
Receba o meu abraço."

Agradeço aos amigos pela paciência em ler meu texto e complementá-lo ou retificá-lo com informações tão importantes.
Penso ainda que a homenagem à Felinho era a sua intenção principal e acredito que isso tenha sido conseguido.
Saravá!

sábado, 11 de fevereiro de 2017

A arte de Felinho


A ARTE DE FELINHO

Clóvis Campêlo

Assim como Nelson Ferreira, Felinho nasceu na cidade de Bonito, no agreste pernambucano, no dia 14 de dezembro de 1895. Morreu no Recife, em 9 de janeiro de 1980, pobre e esquecido, segundo o site Overmundo.
Aliás, ainda segundo o site Overmundo, Felinho integrou a Orquestra do Centro Musical Pernambucano e em 1931 foi clarinetista do Teatro Helvética. A convite do maestro Nelson Ferreira, passou a tocar saxofone no conjunto da Rádio Clube de Pernambuco, permanecendo ali por 20 anos. Foi primeiro flautista da Orquestra Sinfônica do Recife até sua morte, mas ficou famoso foi pelas divinais variações que criou no saxofone para o frevo "Vassourinhas" e pela criação de "Formigão".
Segundo Renato Phaelente, no seu livro  MPB - Compositores Pernambucanos, Felinho teve um ensinamento musical tão profundo, que aos 15 anos de idade tornou-se regente de bandas de música de várias cidades pernambucanas. Ainda segundo Phaelante, aprendeu a tocar clarinete com o clarinetista Antônio de Holanda. No Recife, criou o Quarteto de Saxofones Ladário Teixeira, ao mesmo tempo em que participava da Orquestra de Concertos e participou, com flautista, da inauguração da Orquestra Sinfônica do Recife. Ainda segundo Phaelante, As variações para clarinete, introduzidas por ele no frevo Vassourinhas, gravado em 1956 com a orquestra do maestro Nelson Ferreira, tornaram-no conhecido e admirado por todos os amantes da música.
Em um dos seus livros de memórias, Liêdo Maranhão lembra que na mocidade frequentava os "assustados" na casa de Felinho, no bairro de São José, onde morava.
O vídeo acima nos mostra a figura bem comportada de Felinho, que na verdade se chamava Félix Lins de Albuquerque, enquanto a sua improvisação com o clarinete poder ser ouvida e admirada. Na verdade, essa gravação bastante convencional de Vassourinhas salva-se pelas variações geniais de Felinho. Ele recria a música com tanta competência e convicção que chega a tornar-se quase seu co-autor.
Isso me lembra o caso do grupo britânico Procol Harum, onde na música A White Shade of Pale o solo de teclado feito pelo organista Matthew Fisher deram-lhe na justiça o direito a 40% da autoria da canção.
Em tempo de proximidade do carnaval, vale a pena relembrar de Felinho, o mago do saxofone e do clarinete que recriou Vassourinhas.
Saravá!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

No tempo de Alaíde Drink's


Waldick Soriano era habituê na radiola de fichas

NO TEMPO DE ALAÍDE DRINK'S

Clóvis Campêlo

Para mim, naquela época, Alaíde Drink's era melhor do que o Mollin Rouge de Paris. Era um puteiro modesto, nos anos 60 e 70, situado na Rua do Jaú, no lusco fusco da Zona do Pina. Mas de gratas recordações.
Uma radiola de fichas, encravada em uma das paredes laterais, no segundo saguão, tocava de Waldick Soriano a Jimi Hendrix, passando por B. J. Thomas. Depois que já estávamos biritados,Fire, era a nossa música preferida. E aquilo ali pegava fogo mesmo. Para acalmar, nos intervalos, Rock'n'roll lulaby. Ou seja, sexo, álcool e rock'n'rool. Hoje, os três itens são quase incompatíveis. Ou seja: não se passa impunemente pelos anos.
A Rua do Jaú era conhecidíssima. Nela, a zona do Pina resplandecia. Começava pela boate Primavera, no início da rua, por trás de onde hoje se situa o edifício do JCPM. O seu letreiro azul em gás neon podia ser visto na avenida Antônio de Goes e funcionava como um chamariz. Era uma casa de nível médio, digamos assim.
Mais adiante, na esquina com a Rua Comendador Moraes, ficava a famosa Casa Branca, com mulheres selecionadíssimas e bem mais caras. Apesar da sua fachada discreta, era um ambiente mais sofisticado e de bom gosto. Nada de baixarias. Para nós, na sua grande maioria filhos de funcionários públicos da classe média, era praticamente inacessível.
Restava-nos, portanto, o ambiente descontraído de Alaide Drink's, onde, além de tudo, a radiola de ficha nos satisfazia as exigências musicais. Ali bebíamos, dançávamos e conversávamos com as mulheres quando não estavam no metiê. Ali comemorávamos os feitos e as datas festivas, como, por exemplo, a conquista do tri no México, pela seleção brasileira de futebol. Aliás, aquela festa foi inesquecível. A boate fervilhava repleta de gente e alegria. O ambiente não era refrigerado (naquele tempo, um luxo distante) e as bandeiras do Brasil se enrolavam nos ventiladores de teto. Éramos brasileiros, jovens e tricampeões mundiais de futebol. E em plena ditadura militar, permitíamo-nos ser felizes.
Tudo era muito simples, na boate. Um letreiro grande, pintado, mas sem iluminação, indicava aos transeuntes que ali funcionava, com toda dignidade, um puteiro. A rua, aliás, não era ocupada apenas pelos estabelecimentos da zona. Também haviam residências. Na maioria das vezes, a convivência era pacífica e ordeira. E, durante o dia, era comum encontrarmos com as raparigas na praia do Pina, onde gostavam de tomar banho nas piscinas naturais em frente ao Cassino Americano. Não lembro de que houvessem grandes discriminações, embora a tradicional família pinense fosse um tanto quanto rígida nos seus valores morais e sociais.
Naquele tempo, quando a juventude insistia em nos fazer felizes, a liberdade sexual (ou o sexo livre, como chamávamos) era um sonho distante. Para os rapazes, restavam a opção das empregadas domésticas, com sua liberdade sexual revolucionária, ou as profissionais da zona, que, no caso de Alaíde Drink's, a preços módicos, satisfaziam-nos.
A todas essas figuras importantes rendo as minhas sinceras homenagem.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

A igreja do Pina


A IGREJA DO PINA

Clóvis Campêlo

Dizem que uma imagem fala sem palavras e, por si só, diz tudo. A imagem acima me foi encaminhada pela amiga Anna Cristina Salgueiro, e mostra a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no bairro do Pina, nos anos 30 do século passado.
Anna, que também é chamada de Tininha, foi minha vizinha, no bairro, nos anos 60, na Rua Estudante Jeremias Bastos. Aliás, mais do que amigos e vizinhos, por um curto período de tempo, fomos cunhados. E mais do que cunhados e vizinhos, fomos torcedores fiéis e fervorosos do Santa Cruz Futebol Clube. Juntos, em 1969, vimos o Santinha conquistar o seu primeiro título no Estádio do Arruda ainda em construção. Era o início do penta e nós fomos testemunhas oculares disso.
Como um assunto puxa outro, lembro que a Rua Estudante Jeremias Bastos antes se chamava Travessa Herculano Bandeira, em homenagem ao ex-governador, nascido na cidade pernambucana de Nazaré da Mata, e que governou o Estado de Pernambuco de 1908 a 1911.
A rua passou a ser chamar Estudante Jeremias Bastos nos anos 70, graças ao esforço do senhor Geraldo Bastos, também morador da rua e empregado da Padaria Pão Nosso, em homenagear um dos seus filhos falecidos. Seu Geraldo tinha arroubos políticos e por várias vezes se candidatou a vereador do Recife, sem sucesso. Mas conseguiu mudar o nome da rua. Assim, o logradouro foi promovido de travessa para rua, e rebaixado de governador para estudante. Coisas da vida! Para o ex-governador talvez não tenha feito muita diferença, já que permaneceu com o seu nome na avenida principal do bairro.
Pois bem, é nessa avenida que se encontra a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Na fotografia acima, podemos ver que naquela época trata-se apenas de um esboço de avenida. Era por ali que passava o bonde que vinha do bairro da Cabanga e dava acesso à praia. Notamos ainda que do lado esquerdo da igreja ainda não existiam as ruas de hoje, entre as quais se inclui a Jeremias Bastos, havendo apenas um descampado que ia até a beira do mar. Por detrás da igreja, porém, já vislumbramos as comunidades do Bode e do Encanta Moça em desenvolvimento.
A fotografia é importante tanto do ponto de vista do registro iconográfico quando das informações históricas implícitas. E coisa importante, também, para quem, como eu, sempre amou o Pina.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Dona Dita


DONA DITA

Clóvis Campêlo


Dita Cunha Machado, esse é o nome da minha sogra.
Nasceu na cidade de Riachão, no Maranhão, no dia 4 de fevereiro de 1931.
Ainda menina, mudou-se para a cidade de Carolina, também no Maranhão, acompanhando a irmã mais velha, Maricota, que havia casado.
Em Carolina, conheceu Pedro Alves Machado, com quem casou, no dia 8 de julho de 1952, na sua cidade natal.
Do casamento nasceram nove filhos: Renato, Cleuber, Alberto, Vera, Aparecida, Luiz Antônio, Eliana, Lizane e Ronaldo, este último falecido em dezembro de 2009.
Em 1982, depois de 30 anos de casamento, separou-se de Pedro Machado, indo morar na cidade de Impertatriz, onde a maioria dos filhos já morava e trabalhava.
Com uma memória invejável para a sua idade, quase 81 anos, diz que chegou em Imperatriz no dia 14 de dezembro de 1982, quando a filha Eliana completava 15 anos.
Em Impetariz ficou até 1989, quando decidiu aceitar o convite de Renato, o filho mais velho, e mudar-se para a capital, São Luís do Maranhão. Nessa nova mudança, foi acompanhada pelos filhos Alberto e Eliana.
Confessa que, de início, temeu a nova mudança. Hoje, porém, depois de 22 anos diz gostar da cidade e de não ter mais vontade de deixá-la.
Em São Luíz, morou sete anos no bairro do Cohatrac, mudando-se depois para a Cidade Operária, onde já se encontra há 15 anos.
Hoje, dona Dita tem 16 netos e 5 bisnetos, espalhados por três estados do Brasil: Maranhão, São Paulo e Pernambuco.
Lembra que os seus pais, que se chamavam Luíz Cunha e Antônia, eram naturais de Terezina, no Piauí. Ele, funcionários dos Correios, foi morar em Riachão por conta do emprego. Lá, nasceram todos os onze filhos do casal.
A sua mãe, que era conhecida como Tonica, faleceu em 1952, levando seu Luís a contrair novo matrimônio e também transferir-se para Carolina.
Com uma boa saúde, dona Dita ainda toma uma cervejinha (como Zeca Pagodinho tem preferência pela Brahma, mas afirma que experimentou a Devassa e gostou do sabor) não sofre de hipertensão ou diabetes. Gosta de viajar e visitar os parentes distantes.
Diz que a vida é boa e que a velhice não é nenhum empecilho para a felicidade e o bem-estar.
E afirma com convicção: "Quem não quiser ficar velho que morra jovem".

Recife, dezembro 2011