quarta-feira, 28 de março de 2018

A arte de envelhecer


A ARTE DE ENVELHECER

Clóvis Campêlo

Envelhecer não é fácil, amigos. É preciso se ter maturidade para enfrentar essa fase da vida (por sinal, a fase final). Algumas pessoas não conseguem aceitar a chegada da terceira idade e sofrem com isso. Principalmente quem usa a cara e o corpo como instrumento de profissão. São muitos os atores e atrizes que entram em depressão com a chegada da fase final da vida.
Quando jovens, no entanto, a velhice e a morte sempre nos parecem coisas distantes e despreocupantes. As visões da velhice na juventude geralmente são românticas e alegres. Digo isso pensando em dois grandes compositores que marcaram a minha infância e adolescência e nas músicas por eles compostas falando da velhice.
O primeiro é Paul McCartney que ainda na fase dos Beatles, em 1969, no álbum Sargent Peppers Lonely Heart Club Band, compôs a música Whan I'm Sixty-Four. Paul, como se sabe, ao contrário de John Lennon, veio de uma bem ajustada família de classe média inglesa. Seu pai, nas festas natalinas ou de família, gostava de sentar ao piano e tocar velhas e tradicionais canções inglesas. Isso Paul absorveu bem e utilizou com sabedoria nas suas composições.
Na música acima citada, ele faz uma indagação inocente e bem-humorada: “When I get older losing my hair / many years from now / will you still be sending me a valentine”. Ou seja: “Quando eu envelhecer, perdendo meus cabelos / Daqui a muitos anos / Você ainda estará me mandando um cartão no dia dos namorados?”
Paul que já faz tempo passou dos 64 anos, finaliza a música com uma proposta e outra indagação: “Send me a postcard, drop me a line / stating point of view / indicate precisely what you mean to say / yours sincerely wasting away / Give me your / answer fill in a form / mine forever more / Will you still need me / Will you still feed me / When I'm sixty-four”. Traduzindo: “Mande-me um cartão-postal, escreva uma linha / Expressando seu ponto de vista / Explique precisamente o que você quer dizer / Com sinceridade / Dê-me sua resposta, preencha em um formulário / Minha para sempre / Você ainda precisará de mim? / Você ainda me alimentará? / Quando eu tiver sessenta e quatro anos”.
Não é preciso dizer que Paul sempre foi um homem em paz consigo mesmo, com as mulheres que amou, com seus filhos e sua família. E essa sensação é transmitida para seus admiradores não só nessa como em outras músicas suas.
Com Roberto Carlos não foi diferente. Embora tenha tido a sensibilidade de transformar em arte e músicas os anseios e sentimentos de toda uma geração, suas canções falam do mundo e da vida de forma positiva e propositiva. Na música Os Velhinhos, ele assim se expressa: “Quando a velhice chegar / Eu não sei se terei / Tanto amor pra te dar / Hoje, vem amor, vem amar / Os meus lábios esperam / Te querendo beijar / Amanhã estaremos velhinhos / Contaremos juntinhos / Os segredos do amor / Para os nossos netinhos”.
Talvez a lembrança dessas músicas e desses compositores para mim, que também já ultrapassei a marca dos 64 anos, sirva para amenizar um pouco a lembrança do que tempo bom que passou e que, embora não volte mais, serviu como base para que tenhamos chegado ao momento atual em que vivemos com nossas famílias, nossos filhos e netos.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Moraes Moreira, Benedito Lacerda e o pombo-correio

 Benedito Lacerda e Pixinguinha

 Moraes Moreira e os Novos Baianos

MORAES MOREIRA, BENEDITO LACERDA E O POMBO-CORREIO



Clóvis Campêlo



Compositor, flautista e maestro, Benedito Lacerda nasceu na cidade fluminense de Macaé, em 14 de março de 1903. Compositor, cantor e violonista, Moraes Moreira nasceu na cidade baiana de Ituaçu, no dia 8 de julho de 1947. Quatro décadas, portanto, separam os nascimentos do dois compositores brasileiros.

O primeiro, já no Rio de Janeiro, iniciou sua trajetória musical tocando bumbo na banda do Exército. O segundo, começou tocando sanfona de doze baixos nas festas da sua cidade natal.

Lacerda, que chegando ao Rio foi morar no morro do Estácio, cresceu cercado de chorões e sambistas, convivendo com gente de peso na MPB, como Noel Rosa. Moreira, em Salvador, conheceu Tomzé e Baby Consuelo, ao lado da qual formou o grupo Novos Baianos, do qual foi integrante de 1969 a 1975.

Benedito Lacerda morreu no Rio de Janeiro, em 16 de fevereiro de 1958, quando Moraes Moreira tinha apenas dez anos de idade. Este último continua por aí em carreira solo. Ao todo, segundo a Wikipédia, tem mais de 40 discos gravados em carreira solo, ao lado dos Novos Baianos ou com outros grupo e artistas.

Todo esse preâmbulo introdutório foi por nós utilizado apenas chegarmos a um ponto em comum nas suas composições: ambos criaram músicas utilizando o pombo-correio como tema. As composições, inclusive, são homônimas.

Na sua música Pombo-Correio, Benedito Lacerda assim se expressa: “Soltei meu primeiro pombo-correio / com uma carta para a mulher / que me abandonou; / Soltei o segundo, o terceiro / o meu pombal terminou / ela não veio e nem o pombo voltou”.

O compositor, portanto, chora não apenas a perda da mulher amada, mas também a sua indiferença, não lhe respondendo as cartas e nem lhe devolvendo os pombos de estimação. Pura ingratidão.

Moraes Moreira canta assim o seu Pombo-Correio: “Pombo correio / Voa depressa / E esta carta leva / Para o meu amor / Leva no bico / Que eu aqui / Fico esperando / Pela resposta / Que é pra saber / Se ela ainda gosta de mim”. No bico do pombo de Moreira ainda existe a esperança de uma resposta positiva, portanto, onde retornem o pombo e a mulher amada. Afinal, a esperança é a última que morre.

Na segunda parte da sua canção, Lacerda revela como o fim daquele amor desarrumou a sua vida: “Depois que aquela mulher me abandonou / não sei porque minha vida desandou / O canário morreu / a roseira murchou / o papagaio enlouqueceu / e o cano d'água furou. / E até o sol por pirraça / invadiu a vidraça e o retrato dela desbotou”. Sem o comando feminino, o mundo do compositor caiu e não só ele foi vítima desse desequilíbrio, como também tudo o que o cercava. Nada de um final feliz.

Moreira, pelo contrário, deixa o final em aberto: “Pombo-correio se acaso um desencontro / acontecer não perca nem um só segundo / voar o mundo se preciso for / o mundo voa / mas me traga uma notícia boa”. Portanto, seja lá qual for a situação encontrada pelo pombo na sua missão, fica a esperança do compositor de que ele retorne e lhe traga boas novas. Afinal, a vida é bela e deve continuar.
Aliás, nos tempos modernos de hoje, onde predominam a internet, o facebook e o whatsapp, é difícil imaginar um singelo pombo-correio atravessando os céus do Brasil para entregar uma carta de amor.

Gabriel e Tatiana


GABRIEL E TATIANA

Clóvis Campêlo
 
TATIANA
 
Conheci Cida em dezembro de 1977, numa cidade chamada Riachão, situada no sul do Maranhão. É interessante frisar que, antes, nenhum de nós dois jamais estivera ali.
Nasci no Recife e fui ao Maranhão acompanhando meu irmão mais novo que ali morara um tempo, trabalhando, e que iria se casar com uma jovem do lugar.
Cida, natural da vizinha cidade de Carolina, também no sul do Maranhão, ali fora acompanhando um irmão mais velho que dirigia um pequeno caminhão, fazendo entrega de café fabricado na torrefação onde trabalhava. Assim, nós nos conhecemos. Nosso primeiro encontro se deu numa festa de 15 anos, acontecida na noite anterior ao casamento do meu irmão. Ali mesmo, começamos a namorar. Terminado o casamento, voltei ao Recife e Cida, a Carolina.
Em fevereiro de 1978, durante o carnaval, fui a Carolina e conhecer os pais de Cida e o restante da sua família.
Ficou decidido que em março eu voltaria à cidade e nos casaríamos, vindo morar no Recife.
E assim foi feito: no dia 11 de março de 1978, nos casamos na Matriz de Carolina e viemos para o Recife. Na época, eu tinha 26 anos e a Cida, 16.
Em 1979, Ano Internacional da Criança, no dia 20 de janeiro, às 7:30 da manhã, dia de São Sebastião, Tatiana nasceu, sendo, portanto, o resultado inicial dessa história especial e inusitada.
Na realidade. deveria ter nascido no dia 1º, Dia da Confraternização Universal. Não sei se erraram na conta, mas se passaram 20 dias do prazo estabelecido para que ela nascesse. Estava atravessada na barriga de Cida e foi retirada a fórceps. Ainda hoje ela tem na testa as marcas do nascimento.
Naquele tempo não havia ainda ultrassonografia para se saber antecipadamente o sexo das crianças. Assim, na porta da sala de parto, haviam dois bonequinhos, um do sexo masculino e outro do sexo feminino. Dependendo do sexo do nasciturno, acendia um ou outro.
Enquanto Cida e Drª Aspásia lutavam na sala de parto para que Tatiana viesse à luz, lá fora, na sala de espera, estávamos eu, meu pai, que assim como também se chamava Clóvis, e minha mãe, dona Tereza, nervosos e ansiosos.
Quando a luzinha acendeu, todos se abraçaram e se confraternizaram, felizes porque tudo correra à contento.


GABRIEL
 

Quatro meses depois do nascimento de Tatiana, Cida engravidou novamente. Quando Gabriel nasceu, no dia 12 de março de 1980, Tatiana tinha um ano e dois meses.
Com nós meninos ainda pequenos, fomos moram em Rio Doce, na cidade de Olinda, numa casa com um pequeno quintal onde haviam árvores e um tonel cheio de água, onde as crianças gostavam de tomar banho.
Em julho de 1986, nos mudamos e fomos morar num apartamento, no bairro do Cordeiro, no Recife. Ali, os meninos passaram a maior parte das suas vidas. Ali cresceram e fizeram amizades que duram até hoje.
Gabriel nasceu às 7:30 da manhã, em um dia de muita chuva.
Nessa época, morávamos na Ilha do Leite e de lá para o Hospital Português, onde ele nasceu, a distância não era muito grande.
Em circunstâncias normais, eu e Cida, teríamos ido até andando.
Mas chovia muito, algumas ruas estavam alagadas e resolvemos pegar um táxi, um alegre fusquinha azul celeste que contrastava com o dia cinzento.
Chegamos no hospital e a Drª Aspásia Pires, que sempre fez os partos de Cida, já nos esperava.
Ela entrou com Cida na sala de exames e logo a vi correndo de volta, desesperada.
Aflito, perguntei o que estava acontecendo e ela me respondeu: "Ele já está nascendo".
Mal deu tempo Cida entrar na sala de partos e Gabriel já veio à luz, apressado, querendo ver o mundo com os próprios olhos.
Foi um parto tranquilo, normal.
Pouco tempo depois, Gabriel já estava no berçário e Cida sentada na cama, serena, tomando uma canja quentinha.
Foi assim que Gabriel nasceu. Foi assim que veio ao mundo, sendo o nosso caçula e completando a nossa família.
Era tão pequeno que nós o apelidamos de Catotinha.


Recife, 1986

quinta-feira, 15 de março de 2018

Entre o concreto e a natureza

Fotografia de Clóvis Campêlo / dez 2013

ENTRE A NATUREZA E O CONCRETO

Clóvis Campêlo

Nascemos na lama rica do mangue e sobre ela crescemos. Antes um istmo, hoje ocupamos toda a planície que o rio criou e o homem, com a força e a ambição que Deus lhe deu, ajudou. Se isso foi bom ou ruim, talvez seja uma questão de visão ou de opinião íntima definir. Talvez até mesmo o suposto caos que hoje enfrentamos seja o prenúncio de outros tempos ainda maiores virão.
Estaremos preparados? Sinceramente, não sei. Do caos ao mangue ou do mangue aos caos vivemos numa cidade entrelaçada com as águas. E nesse embate entre o que as linhas tortas da natureza criou e o que as linhas retas da compreensão humana alterou ou inventou, ficamos nós respirando e querendo sobreviver. Enquanto isso, a beleza do cenário pode ser encontrada e admirada na sua plenitude.
Ao olhar puramente contemplativo talvez não caiba o questionamento politicamente correto. Viver não significa necessariamente indagar ou criar oposição imaginativas. O olhar reto e direto não necessitaria de retificações. Entre a natureza e o concreto, talvez as águas claras do rio escorra sem a necessidade de interpretações como sintomática e diuturnamente o tempo faz. E ninguém a ele sobreviverá. Morrer sempre será preciso. A vida vive disso.
Por trás da copa das árvores a cidade simplesmente existe. E vista assim de longe mais parece um céu no chão. Para que servem afinal os detalhes deletérios da visão direcionada? Para nada, eu mesmo respondo. A não ser que queiramos alimentar a angústia, as justificativas para o sofrimento, as elaborações filosóficas inúteis e inquietantes.
Nascemos sobre a lama rica do mangue e um dia ao pó voltaremos. Que o tempo a nós oferecido entre estes dois atos extremos seja repleto de alegria e êxtase. Deixemos o olhar vagar por todo o cenário como se a nada buscasse, como se apenas quisesse usufluir da plasticidade do momento que se nos oferece.
Nós merecemos, a cidade merece.

 

quarta-feira, 7 de março de 2018

Respeito



RESPEITO
Recife, fevereiro de 2018
Fotografia de Clóvis Campêlo